Além do tato para encarar as traições de Dom Pedro I, Leopoldina teve forte influência em momentos decisivos do país
Marsilio Cassotti Publicado em 07/08/2020, às 08h00
Alguns dias depois de seu compromisso matrimonial com dom Pedro, Carolina Josefa Leopoldina de Habsburgo-Lorena, a futura imperatriz Leopoldina, ouviu os conselhos de seu pai sobre o que a esperava no Brasil. Consistiam em realizar todos os desejos do marido, inclusive os menores e tentar evitar a rainha Carlota Joaquina.
A arquiduquesa já havia sido informada sobre alguns aspectos pouco louváveis do comportamento de sua futura sogra — única coisa que lhe causava medo em seu futuro brasileiro.
Pouco antes de se casar, sua preceptora principal, uma nobre austríaca de costumes imaculados, escreveria em francês umas pautas morais e máximas de comportamento (Mes Résolutions) para que lhe servissem de guia durante sua vida conjugal.
Algumas dessas resoluções (por meio de eufemismos, naturalmente) tocavam aspectos muito delicados. Por exemplo, recomendava que Leopoldina evitasse excesso de sensualidade durante o descanso.
Noites turbulentas
Depois de 80 dias de viagem, em 5 de novembro de 1817, a princesa real do Brasil chegou à Baía de Guanabara. De acordo com os padrões clássicos europeus, Leopoldina não havia sido tocada pela varinha genética da beleza, mas, segundo palavras de um tio, “no Brasil todo o mundo a considera bonita”.
De qualquer maneira, terminada sua recepção, os Bragança acompanharam o casal principesco até o Palácio de São Cristóvão, em cujos aposentos, segundo palavras de uma servidora austríaca de Leopoldina, “eu fui obrigada a despi-la, deitá-la na cama e esperar que o príncipe se pusesse a seu lado no leito. Então, felizmente, permitiram-me sair”.
A arquiduquesa narraria a sua irmã Luisa que havia se despido ao lado de seu marido, assistido na tarefa pelo rei dom João VI e o infante dom Miguel. No dia seguinte, o “querido esposo, que não me deixou dormir a noite toda”, parecia à Leopoldina “não somente belo, mas também bom e sensato”.
Setenta e duas horas mais tarde, a princesa também daria conta a sua irmã da irrefreável energia sexual do príncipe, comentando que “passei alguns dias bem difíceis, pois estava de mau humor desde as 7 da manhã até as 2 da madrugada, e, além disso, meu amado esposo não me deixava dormir, até que eu lhe disse que estava abatida”.
Com base em um teste munho muito autorizado, uma arquiduquesa havia encarado o assunto com senso de humor. O imperador Napoleão I escreveu em suas memórias que, na primeira noite de casado com a arquiduquesa Maria Luisa, “fui a seu encontro e ela fez tudo rindo. Riu a noite inteira”.
A primeira esposa de Pedro I era uma mulher pudica por natureza, com critérios em relação à sexualidade e fidelidade conjugal mais severos que os que reinavam nos ambientes aristocráticos de sua época, a começar por sua irmã Luisa, que teria dois filhos de um homem que não era seu marido. Mas Leopoldina em absoluto não era uma beata.
A versão que alude ao furtivo encontro de Pedro não aparece respaldada pela carta que a arquiduquesa escreveu naquele mesmo dia a seu pai. E, embora se deva considerar que nos primeiros tempos de sua estadia no Brasil ela transmitiria ao imperador da Áustria uma visão cor de rosa da realidade, as primeiras queixas sobre seu esposo que fez chegar a Viena foram (como quase em qualquer casamento) por questões financeiras, já que o príncipe não lhe permitia gastar sua mesada da forma que ela queria.
A princesa real do Brasil seria mais explícita com Luisa, “certa de que esta carta não chegará a outras mãos senão as tuas, minha querida”. Leopoldina lhe contaria que Pedro “com toda a franqueza diz tudo que pensa, e isso às vezes com certa brutalidade”. “Acostumado a executar sempre sua vontade, todos devem se adequar a ele.
Até eu sou obrigada a aceitar algumas respostas ácidas. Mas, vendo que algo me feriu, ele chora comigo. Apesar de toda sua violência e de seu modo particular de pensar, tenho certeza de que me ama ternamente.”
Princesa controlada
Mediante a paciência que não havia tido na Áustria e que, segundo ela, o sacramento do casamento lhe havia insuflado, Leopoldina não só levaria com elegância o mau humor de seu marido como também demonstraria ter muito tato para resolver a primeira infidelidade de Pedro.
De modo que, nove meses depois de sua chegada ao Rio, engravidou daquela que seria a princesa Maria da Glória. Ao chegar ao quinto mês de gravidez, Leopoldina se sentia cheia de alegria, da mesma maneira que meu esposo, pois acreditava que sua gravidez poria um freio nas paixões extraconjugais do príncipe, e que isso era o início de uma influência nada desprezível sobre ele.
De fato, outro dos seus tios arquiduques comentaria com Luisa que na corte do Rio alguns desejavam que Leopoldina dominasse “completamente o príncipe, objetivo que ela parece tentar alcançar com muita prudência”.
Oito anos depois (no final de 1826), o panorama afetivo de Leopoldina havia mudado tanto quanto politicamente no do Brasil, agora independente de Portugal e transformado em “império florescente”.
Em suas vestes de imperatriz, Leopoldina explicaria a seu secretário na Alemanha que “aqui [no Rio], infelizmente, tudo vai mal, pois, falando sinceramente, mulheres infames iguais a uma Pompadour ou uma Maintenon, e até mesmo piores, vista sua falta de educação governam tudo, e a Santa Ignorância governa tudo, e os outros devem se calar. Resta somente uma grande solidão e o desejo cada vez mais [forte] de ficar livre e tranquila”.
A soberana do Brasil se referia à relação de seu marido com a paulista Domitila de Castro, a quem ela comparava com duas famosas amantes de reis da França, Luís XV e Luís XIV, o Rei Sol. Com agudeza, Leopoldina punha o dedo na ferida que atingia a reputação da nascente monarquia brasileira. O favor imperial outorgado abertamente a uma mulher (acusada por José Bonifácio de defenestrar ministros, a começar por ele mesmo), cujo principal mérito era dividir o leito com dom Pedro I.
O comentário de Leopoldina também dizia respeito a duas senhoras vividas em uma época em que a sexualidade extraconjugal de um rei não era coisa subversiva, e as amantes régias tinham um valor parecido ao de uma conquista militar. A rainha consorte não tinha outro remédio a não ser se adequar.
Sem demonstrar fraqueza
É revelador do caráter de Leopoldina que dissesse a seu secretário que a relação de seu marido com uma maîtresse en titre (amante oficial), da qual em 1826 tinha provas de que recebia subornos dos proprietários de cafezais em troca de favores políticos, constituía uma demonstração do mau governo do Brasil.
Em 1823 Leopoldina havia reagido com a tradicional dissimulação das rainhas ante a chegada ao Rio dessa paulista que havia conseguido manter viva a atenção de dom Pedro, depois de haver engravidado dele. Justo quando a arquiduquesa considerava que o marido deveria dedicar suas energias ao império nascente. E havia se limitado a comentar com Luisa que “os homens são como mariposas” non período em que a paixão de Pedro por Domitila o tornara um mau dissimulador.
Leopoldina, que inclusive acompanhara o marido a agradecer a Nossa Senhora da Glória depois de curar as sequelas de uma queda de cavalo, em um momento parecia não saber levar com pulso firme as questões do governo. O objetivo de Leopoldina era que os rumores sobre a vida sentimental do imperador, colocados em circulação pela oposição, não prejudicasse ainda mais sua já combalida reputação política. Enquanto isso, Pedro engravidou Domitila.
Quando ele, com um toque de sadismo, depois da Páscoa de 1825, decidiu nomear sua amante primeira-dama de Leopoldina, a arquiduquesa inclusive havia deixado que suas camareiras nobres reagissem. Até o representante austríaco no Rio, que conhecia o tradicional comportamento de uma arquiduquesa da Áustria diante de uma humilhação, ficaria surpreso com a calma com que a filha de seu soberano levaria essa afronta a seu orgulho de Habsburgo.
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