Ainda de pé, região é um retrato de como a colonização europeia mudou a construção da sociedade africana
Fabio Previdelli | @fabioprevidelli_ Publicado em 30/01/2022, às 09h00
Quem vê as paredes deterioradas e o interior das casas cheio de areia nem imagina que Kolmanskop já foi um importante ponto de interesse no meio do deserto da Namíbia, nação situada na África Austral, no sul do continente.
Conhecida como uma “zona proibida”, a região, hoje, é um retrato, ainda de pé, ao menos por enquanto, da exploração do continente e de como a colonização europeia mudou a construção da sociedade africana.
Em 1908, o ferroviário namibiano Zacherias Lewala removia os trilhos de ferrovias das dunas de areia quando viu um atrativo brilho que chamava a atenção naquela inóspita noite. Ao levar o objeto para seu empregador, um alemão, o homem se admirou com o enorme diamante encontrado.
Lewala não foi recompensado pelo achado, mas inocentemente foi o responsável pela mudança da região. Conforme explica matéria do National Geographic, em 1912, o local já havia se tornado uma enorme área de garimpo.
Para se ter ideia da riqueza retirada do solo, cerca de um milhão de quilates eram extraídos de lá todos os anos. O número é ainda mais impressionante quando se comparado com toda a produção global da pedra preciosa: Kolmanskop representava 11,7% de toda a extração do mundo na época.
Desta forma, logo o deserto árido se tornou um luxuoso poço de dinheiro. Para se ter ideia, o garimpo fez com que diversos negócios prosperassem, como açougues, padarias, fábricas de gelo…
A água doce era levada para o local através de vias férreas. O entretenimento também tinha espaço por Kolmanskop, visto que grandes grupos de ópera da Europa foram convidados para se apresentar por lá.
Além da riqueza, a extravagância era outra coisa em abundância. Segundo o National Geographic, uma das famílias locais tinha uma avestruz de estimação, que sempre aterrorizava outros moradores da cidade. No Natal, o animal foi obrigado a puxar um trenó.
Apesar disso, é importante ressaltar que esses fatores não atingiam todos em Kolmanskop, eles eram privilégio da elite, dos europeus. A cidade foi formada sobre um terrível legado colonial.
Quatro anos antes do diamante ser descoberto, o povo Herero, nativo da Namíbia, havia sido trucidado por colonizadores alemães. Após se rebelarem, foram vítimas de um brutal genocídio, onde cerca de 60 mil Hereros foram assassinados.
Como o garimpo enriquecia muitas pessoas em pouco tempo, as autoridades alemãs decidiram controlar a busca por diamantes na região. Desta forma, o território passou a ser declarado como Sperrgebiet, ou “zona restrita”.
Pessoas ‘comuns’ eram impedidas de trafegar por lá, além do mais, uma única empresa ficou responsável pela administração de Kolmanskop. Como se pode imaginar, ela tinha sede em Berlim.
Os nativos que eram deslocados de lá, na grande maioria dos casos, foram empregados como trabalhadores das minas. Mas não exerciam o ofício por vontade própria, eram forçados a viver, meses e meses, em complexos cada vez mais apertados.
Mas o sonho do diamante não duraria para sempre. No fim da década de 1920 o local já mostrava sinais de que estava se esgotando. Àquela altura, muitos ricaços do garimpo já migravam para regiões mais ao sul do país.
A debandada, consequentemente, fez com que diversas casas e bens fossem deixados para trás. Anos depois, em 1956, Kolmanskop já estava completamente deserta. As antigas dunas por onde os trilhos das ferrovias passavam, agora, haviam se tornado uma enorme cidade fantasma no meio do caminho.
A cidade só passou a viver novos tempos no início deste século. Em 2002, uma empresa privada, a Ghost Town Tours, conseguiu a concessão para administrar a região. Desde então, Kolmanskop se tornou uma área turística, que recebe visitantes curiosos para fotografarem as zonas proibidas e as casas lotadas de areia.
As ruínas e as moradias abandonadas são exemplos físicos de como o progresso moderno — e o colonialismo — mudou a geografia de diversas regiões. Embora ainda sejam espaços visitáveis, Kolmanskop não será eterna, visto que uma deterioração ameaça toda a região.
Em pouco tempo, Kolmanskop pode, ironicamente, voltar a ser o que sempre foi, mais um monte de pilha de areia em meio ao deserto da Namíbia. Apesar de seu iminente fim, as ruínas evidenciam as atrocidades sofridas pelos africanos e mostram como o bem material sempre esteve acima do sofrimento humano.
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