Nascida em 1919, a primeira-dama Evita Perón se tornou uma lenda no país
Joseane Pereira, edição impressa da Aventuras na História Publicado em 26/07/2019, às 09h00 - Atualizado em 26/06/2022, às 08h00
Pelas ruas de Buenos Aires, não é difícil encontrar a imagem de Eva Perón em estátuas, pinturas e até objetos para os turistas. Cultuada como a Mãe dos Pobres durante o Peronismo, regime de cunho popular protagonizado pelo militar e estadista argentino Juan Domingo Perón na segunda metade do século 20, Evita permanece na mentalidade do povo como aquela que olhou com cuidado para os oprimidos da Argentina.
E até hoje é reivindicada positivamente por diversos grupos sociais e políticos, e não apenas por aqueles que apoiaram o regime de Perón.
Nascida na pequena cidade de Los Toldos, província de Buenos Aires, Eva costumava afirmar que só se casaria com um príncipe ou um presidente. Aos 15 anos, resolveu ir para a capital com o sonho de ser atriz e, sozinha em um mundo hostil cujas regras desconhecia, triunfou em sua ambição e passou a ser uma atriz reconhecida e citada nas rádios.
Entretanto, seu destino era outro: em um festival realizado pela comunidade artística de Buenos Aires, Eva conheceu o coronel Perón, pelo qual se apaixonou profundamente. Sua presença nos discursos eleitorais de 1946 é caracterizada como essencial para a definitiva subida ao poder do Peronismo.
Eva acabou falecendo em 1952 por um câncer no útero, tendo seu corpo embalsamado e exposto ao público. Durante o golpe de Estado que tirou Juan Domingo Perón do poder, em 1955, seu corpo fora roubado, sendo encontrado apenas em 1971 em um cemitério italiano.
Como uma boneca, a Mãe dos Pobres permaneceu embalsamada até 1976, quando foi enterrada por sua família. Apesar de sucessivos golpes de estado e de uma segunda ocasião no exílio, Perón manteve-se no poder por mais dois mandatos, até sua morte em 1974 quando foi substituído por sua segunda esposa, Isabel Perón — pela qual a população Argentina não tinha muita afeição.
Em sua autobiografia La Razón de Mi Vida, publicada em outubro de 1951, a primeira-dama relata seus pensamentos e desejos para o povo argentino. Após sua morte, em 1952, seus escritos foram colocados como leitura obrigatória nas escolas de todo o país, e a Fundação Eva Perón distribuiu mulhares de exemplares de forma gratuita.
Entretanto, em 1956, quando o militar e ditador argentino Pedro Aramburu subiu ao poder reprimindo manifestações peronistas, a leitura da biografia passou a ser considerada crime. Excertos como o que segue ainda são considerados de cunho progressista, possibilitando caminhos para a auto-afirmação das mulheres no mundo político.
"Tudo, absolutamente tudo, neste mundo contemporâneo foi feito à medida do homem. Nós, mulheres, estamos ausentes nos governos. Estamos ausentes nos parlamentos, nas organizações internacionais. Não estamos nem no Vaticano nem no Kremlin. Nem nos Estados maiores dos Imperialismos. Nem nas comissões de energia atômica.
Nem nos grandes consórcios. Nem na maçonaria. Nem nas sociedades secretas. E, contudo, estivemos sempre na hora da agonia e em todas as horas amargas da humanidade. É como se a nossa vocação não fosse substancialmente a de criar, mas a do sacrifício."
Eva foi consolidada como líder política desenvolvendo trabalhos intensos no âmbito social e político, em uma carreira que durou apenas sete anos. No livro, ela mesma admite que passou a interpretar o papel de mãe dos pobres (como boa atriz que era), a fim de se aproximar e governar para as camadas mais humildes. O excerto abaixo é um belo exemplo de como funcionam os governos populistas, cujos líderes se aproximam das camadas mais humildes com base na emoção:
"Quando escolhi ser Evita, sei que escolhi o caminho do meu povo. Agora, a quatro anos daquela eleição, fica fácil demonstrar que efetivamente foi assim. Ninguém senão o povo me chama de Evita. Somente aprenderam a me chamar assim os descamisados. Os homens do governo, os dirigentes políticos, os embaixadores, os homens de empresa, profissionais, intelectuais, etc., que me visitam costumam me chamar de Senhora, e alguns inclusive me chamam publicamente de Excelentíssima ou Digníssima Senhora e ainda, às vezes, Senhora Presidenta.
Eles não vêem em mim mais do que a Eva Perón. Os descamisados, no entanto, só me conhecem como Evita. Eu me apresentei assim pra eles, por outra parte, no dia em que saí ao encontro dos humildes da minha terra dizendo-lhes que preferia ser a Evita a ser a esposa do Presidente se esse Evita servia para mitigar alguma dor ou enxugar uma lágrima.
E, coisa estranha, se os homens do governo, os dirigentes, os políticos, os embaixadores, os que me chamam de Senhora me chamassem de Evita eu acharia talvez tão estranho e fora de lugar como se um garoto, um operário ou uma pessoa humilde do povo me chamasse de Senhora. Mas creio que eles próprios achariam ainda mais estranho e ineficaz. Agora se me perguntassem o que é que eu prefiro, minha resposta não demoraria a sair de mim: gosto mais do meu nome de povo.
Quando um garoto me chama de Evita me sinto mãe de todos os garotos e de todos os fracos e humildes da minha terra. Quando um operário me chama de 'Evita' me sinto com orgulho 'companheira' de todos os homens.”
Discurso de Eva Perón na televisão Argentina, em 1951:
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