A vida da madre presa e torturada na ditadura inspirou documentário e merece ser lembrada para que o período jamais se repita
Isabelly de Lima Publicado em 11/02/2024, às 14h00
A história da madre Maurina Borges da Silveira, que enfrentou prisão, tortura e estupro durante os anos da ditadura militar (1964-1985) no Brasil, permanece como um dos mais emblemáticos relatos desse período sombrio. A história da freira já foi relembrada por Denise Assis, jornalista, no livro "Imaculada".
Durante uma audiência pública realizada em 21 de outubro de 2013 na Assembleia Legislativa paulista, Denise destacou a importância da história de madre Maurina, e afirmou que ela "envolveu todas as instituições, todos os sentimentos, toda a dignidade feminina, toda a dignidade da sociedade", explica o portal EBC.
Símbolo de resistência durante o regime militar brasileiro, a história da religiosa, apesar de não muito conhecida, é de um enorme significado. Conheça quem foi Maurina Borges da Silveira.
Madre Maurina, que dirigia o Lar Santana, um orfanato para meninas em Ribeirão Preto, São Paulo, foi presa em 25 de outubro de 1969, sob a acusação de acobertar militantes da Frente Armada de Libertação Nacional (Faln).
Eles produziram material considerado subversivo no porão do Lar Santana. Entretanto, a madre desconhecia as atividades políticas do grupo.
Matilda Leone, autora do livro "Sombras da Repressão – O Outono de Maurina Borges", explicou que madre Maurina foi detida após a conexão dos militantes presos com ela. Ao descobrir o material no porão, a madre, preocupada com as implicações para outras pessoas, optou por destruí-lo, o que se tornou um fator determinante para sua prisão.
Conforme o portal de notícias G1, a freira foi detida no presídio de Cravinhos, em São Paulo, e também em outras cadeias de São Paulo e Tremembé.
Na prisão, madre Maurina foi submetida a torturas, incluindo o pau de arara e choques elétricos, além de ter sido estuprada, como relatado por Áurea Morete Pires, companheira de cela, ao portal Agência Brasil. O estupro, entretanto, jamais foi confirmado por ela.
A questão da suposta gravidez da madre após o episódio também foi discutida. Seu irmão, Frei Manoel Borges da Silveira, afirmou que ela jamais confirmou que teria sido estuprada. Em 2014, durante depoimento à Comissão da Verdade, em Ribeirão Preto, relatou que, na verdade, ela foi assediada.
"O que aconteceu foi realmente um assédio sexual. [O torturador] ficou com ela diversas horas, passava mão nas pernas dela, dizia que estava longe da mulher, um galanteador que não obteve resultado nenhum", afirmou ele à Comissão, negando também a história de uma suposta gravidez. "Ela disse que não houve nenhum estupro, e consequentemente nenhum problema com menino".
Após cinco meses de prisão, madre Maurina foi extraditada para o México, em uma troca com o cônsul japonês sequestrado. Ela passou 9 anos fora do Brasil, retornando apenas em 1984. A freira faleceu em 2011, aos 84 anos, num convento localizado em Araraquara.
A história de madre Maurina inspirou até mesmo uma produção audiovisual. O documentário "Maurina, o Outono que Não Acabou" possui 85 minutos de duração e começou a ser gravado em 2020, mas a produção parou por conta da pandemia e foi retomada em 2021.
Entretanto, a concepção inicial ocorreu em 2017, quando o diretor do longa, Gabriel Silva Mendeleh, participou da Festa Literária Internacional de Paraty (RJ), a FLIP. O filme, que inclui cenários no Lar Santana e na Biblioteca Sinhá Junqueira, em Ribeirão Preto, além do antigo edifício do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) em São Paulo, atualmente o Memorial da Resistência, apresenta testemunhos de religiosos que conviveram com madre Maurina, além de relatos de amigos, ex-políticos, jornalistas e historiadores.
A história é complementada por uma carta escrita por Maurina enquanto estava no México, que estabelece o tom da narrativa. O documentário também incorpora artigos da época, animações e recriações com atores para relatar a vida da religiosa. Embora nenhum membro da família tenha concordado em ser entrevistado, o diretor informou ao portal ABI que muitos contribuíram com materiais que enriqueceram a produção.
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