Não se engane pelo nome. O conflito vil entre casas reais britânicas não deixa nada a dever à saga de George R. R. Martin
Cristiano Dias Publicado em 25/09/2019, às 05h00
William de la Pole era um dos homens mais importantes da Inglaterra. Construiu sua reputação e carreira militar na Guerra dos Cem Anos e chegou a comandar o cerco de Orléans, em 1429. A ascensão rápida lhe valeu um cargo na corte de Henrique VI e logo ele se tornou o duque de Suffolk e braço direito do rei. O vento mudou de lado quando a Inglaterra começou a colecionar fracassos nos campos de batalha.
Seu nome passou a ser associado às derrotas e, em 1450, acabou preso e desterrado. Ele navegava para o porto de Calais quando seu navio foi detido por uma embarcação desconhecida. O duque de Suffolk subiu a bordo do outro navio e, mal havia pisado no convés, escutou alguém gritar: "Bem vindo, traidor". Em seguida, foi colocado numa pequena barquinha e teve sua cabeça decepada com seis golpes de uma espada enferrujada.
Retrato da Inglaterra
A morte de Suffolk é um retrato da Inglaterra na metade do século 15, um país tomado pela violência. O fim da Guerra dos Cem Anos fez voltar ao reino uma turba de soldados habituados a proveitosos saques. Eram assassinos dispostos a lutar por qualquer causa, ainda que ela não fosse a mais justa. E não faltavam também na Inglaterra dessa época lordes com um projeto de poder.
Tudo porque o direito sucessório havia sido rasgado e jogado no lixo desde que o duque de Lancaster liderou um golpe de estado, em 1399. Ele depôs o primo, o rei Ricardo II (1377-1399), e se coroou como Henrique IV (1399-1413).
A partir de então, a Inglaterra passou a ser comandada por um usurpador. Sua coroação, com a chancela do Parlamento e o aval da Igreja, abriu uma brecha legal para que outros interessados, como os nobres da outra dinastia, os York fariam anos depois, reivindicassem o trono.
Assim, o país entrou no século 15 carregando duas cargas perigosas: a confusão sucessória e o retorno dos soldados. O barril de pólvora estava armado. Os cavaleiros que retornaram para casa encontravam ocupação em exércitos privados, formados por lordes locais. Era a senha para uma guerra civil. Só faltava o elemento detonador — fardo que coube a Henrique VI (1422-1461).
O rei pobre
Henrique VI definitivamente não era talhado para tempos tão rudes. Rezava muito antes de cada refeição e mantinha sempre à mesa uma imagem de Cristo. Não dava a menor bola para a guerra e as rivalidades entre os barões do reino. Sua felicidade se constituía em ir à missa e estudar teologia. Em 1440, fundou a tradicionalíssima Escola de Eton e, cinco anos depois, mandou construir a capela do King’s College, em Cambridge.
A falta de apego pelas coisas terrenas e todos esses empreendimentos arruinaram as finanças reais. Enquanto nobres e mercadores enchiam os cofres de dinheiro, o rei vivia endividado. Em 1451, Henrique teve de pedir dinheiro emprestado para celebrar o Natal. No Dia de Reis do ano seguinte, já sem crédito na praça, ele e a rainha não puderam jantar.
Um rei tão ingênuo assim seria presa fácil para cavaleiros e barões sem escrúpulos. O primeiro que se apresentou para derrubar Henrique I foi seu primo Ricardo, duque de York. "A razão era simples. A coroa havia sido tomada pelos reis lancasterianos, e Eduardo se achava no direito de ser rei também”, diz Charles Derek Ross, autor de The Wars of the Roses — A Concise History.
Em 1455, ele liderou 3 mil homens na direção de Londres. À frente do batalhão, o brasão da Casa de York: uma rosa branca. Suas tropas foram interceptadas no vilarejo de Saint Albans pelos soldados do rei, que levavam o estandarte dos Lancaster: a rosa vermelha.
Conflito interminável
Ricardo derrotou os soldados do rei, deixando um rastro de 300 mortos pelo caminho. A Batalha de Saint Albans, em 1455, foi o início da Guerra das Duas Rosas. Uma guerra civil que, apesar do nome poético, foi vil e brutal de tal maneira que se tornou a maior inspiração por trás dos livros e da série Game of Thrones.
Nos 30 anos seguintes, a Inglaterra veria uma dúzia de batalhas entre lordes que apoiavam as duas casas, com a vitória se alternando entre uma e outra rosa. Em uma delas, morreu Ricardo, duque de York, e coube a seu filho Eduardo conduzir o clã dos York na guerra.
Em 1460, yorkistas e lancasterianos voltaram a se enfrentar em meio a uma nevasca numa colina chamada Towton. Os arqueiros de Eduardo se posicionaram melhor e lançaram flechas a uma distância maior que a do inimigo. A Batalha de Towton foi vencida pelo duque de York. O rei Henrique VI fugiu com a família para a Escócia. Em 1461, Eduardo IV foi coroado na Abadia de Westminster.
A guerra estava longe de terminar. Lordes partidários dos Lancaster e o próprio rei deposto, Henrique, no exílio, mantinham viva a resistência contra os York. Eduardo IV apagou os focos de revolta e reinou com mão pesada, dando as costas à nobreza — inclusive para certos aliados, como seu irmão, o duque de Clarence, e o poderoso barão Warwick.
Os dois nobres descontentes foram decisivos em 1469, quando mudaram de lado. Agora empunhando um estandarte com a rosa branca, eles conseguiram destronar Eduardo IV e chamar de volta do exílio Henrique VI.
A coroa voltou à cabeça de um Lancaster, mas por pouco tempo. Em menos de um ano, o duque de York reorganizaria seu exército e voltaria a ser rei, em 1471. Warwick foi morto em batalha, e Henrique VI, encarcerado na Torre de Londres. Para evitar futuros aborrecimentos, Eduardo mandou matar o rei e seu filho.
Com isso, a Guerra das Duas Rosas sofreu uma parada brusca, até a morte de Eduardo IV, em 1483. Ele deixou dois filhos — o mais velho, de 12 anos. Contudo, seu irmão Ricardo, duque de Gloucester, mandou prender os dois garotos na Torre de Londres e se fez coroar como Ricardo III. Para garantir a posição, matou os sobrinhos.
A paz tinha uma chance. Restava um Lancaster: Henrique Tudor, duque de Richmond, que fugira ainda adolescente para a Bretanha. Se ele pudesse se casar com Isabel de York, filha de Eduardo IV, estariam finalmente unidas as duas casas. Quando o rei Ricardo III percebeu o perigo, era tarde demais.
Em 1485, Henrique desembarcou na Inglaterra com 5 mil homens e marchou para depor o rei. Os dois se encontraram em Bosworth. O exército dos York tinha 10 mil soldados, o dobro da armada adversária. Ricardo III abateu vários guerreiros, mas foi morto. Apesar da disparidade, Henrique Tudor venceu a batalha e foi coroado como Henrique VII. No ano seguinte, se casou com Isabel, unindo as rosas branca e vermelha e ponto fim à Guerra das Rosas
Saiba mais
História da Inglaterra, André Maurois, 1946
The Wars of the Roses — A Concise History, Charles Derek Ross, 1985
Ricardo III, William Shaskespeare, 1997
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