Comparado ao Holodomor, o trágico episódio revelou como as políticas chinesas resultaram na morte de milhões de pessoas
Fabio Previdelli Publicado em 01/10/2021, às 08h00
Entre 1932 e 1933, cerca de 3,9 milhões de pessoas morreram de fome durante o episódio conhecido como Holodomor — que foi considerado um dos maiores crimes cometidos pela gestão stalinista na antiga União Soviética. Existe, contudo, um paralelo do caso na história da China de Mao Tsé-Tung, que teve mais de 45 milhões vítimas.
Acontece que o líder do Partido Comunista Chinês implementou um programa de aceleração do crescimento no país entre os anos de 1958 e 1962. O plano, que inicialmente parecia ser excelente, ao menos no papel, prometia levar a China a sobrepujar, economicamente, qualquer nação do Ocidente em até 15 anos.
Na prática, todavia, o projeto foi uma catástrofe de dimensões continentais. O programa, que falava em igualdade e justiça social, causou o óbito de um número inestimável de vidas humanas — que não pereceram em virtude de uma Guerra ou de uma catástrofe natural, mas sim de uma péssima sequência equivocada de decisões governamentais.
Além do mais, qualquer pessoa com pensamentos opostos ao que estava sendo aplicado, era desqualificada sistematicamente. Em casos mais extremos, alguns dos opositores eram presos ou exilados em campos de trabalho forçado.
O capítulo, considerado com o mais sombrio da História da República Popular da China, é descrito por Frank Dikötter, professor catedrático na Universidade de Hong Kong, no livro 'A grande fome de Mao – A história da catástrofe mais devastadora da China', publicado no Brasil pela Editora Record.
Dikötter teve acesso aos arquivos do Partido Comunista pouco antes das Olimpíadas de Pequim, em 2008. Segundo o autor, os relatos fazem parte de um catálogo de horrores e incluem casos de canibalismo em aldeias de diferentes regiões do país: como relatos de camponeses que desenterram cadáveres de parentes para a alimentação; ou daqueles que comiam ratos, e até mesmo cascas de árvores e terra.
Ao mesmo tempo em que essas barbáries aconteciam no país, o governo vendia, por meio da propaganda oficial, uma imagem de um povo feliz e de uma economia prospera. “A fome tomou dimensões muito além do que se pensava anteriormente”, diz o autor.
“Os especialistas estimavam a catástrofe demográfica entre 15 e 30 milhões de mortes. Com as estatísticas compiladas pelo próprio Gabinete de Segurança Pública na época, descobre-se uma calamidade muito maior: pelo menos 45 milhões de mortes prematuras entre 1958 e 1962. Mas não é simplesmente a extensão do número de mortos que conta, mas também como essas pessoas morreram”.
“Não é que as pessoas morressem de fome porque não havia comida disponível. A comida era, na verdade, usada como uma arma para forçar as pessoas a cumprirem as tarefas atribuídas pelo Partido. E as pessoas que eram consideradas como de direita ou conservadoras, as pessoas que dormiam no serviço, que estavam muito doentes ou enfraquecidas para serem obrigadas a trabalhar se viram sem acesso à cantina e morriam mais rapidamente de fome. Pessoas fracas ou os elementos considerados como inaptos pelo Partido foram, portanto, deliberadamente levados à fome”, explica.
Dikötter relatou que o Estado do país usou da violência extrema para impor a criação de grandes comunas agrícolas. Lá, homens e mulheres viviam separados e perdiam qualquer direito que tinham de criarem seus filhos.
Eles também eram proibidos de cozinhar dentro de suas casas. Os camponeses eram forçados a se privarem de comer e se viram obrigados a falsificar os números de tudo o que produziam — já que eles deviam ceder ao Estado todos os grãos que colhiam.
O autor aponta que por acreditarem cegamente em Mao Tsé-Tung e no Partido Comunista chinês, a população passou por uma espécie de lavagem cerebral intensa e sistemática. “Tudo foi coletivizado”, diz.
“Muito rapidamente o paraíso utópico provou ser um enorme quartel militar. A coerção e a violência eram as únicas formas de garantir que as pessoas executassem as tarefas que lhes eram ordenadas pelos membros locais do Partido”.
No mesmo período da fome, o poder maoísta torturou, matou e executou entre 2 e 3 milhões de pessoas que discordavam das diretrizes do sistema. Aqueles que roubavam um punhado de grãos ou batatas para se alimentarem, também eram punidos.
Em um relato, encontrado nos registros oficiais do PC chinês, é descrito o caso de um homem que foi forçado a enterrar seu filho vivo de 12 anos. O garoto teria saqueado alguns grãos. O pai morreu de desgosto algumas semanas depois.
Apesar dos diversos casos chocantes, o partido comunista chinês trata o período com certa normalidade. Eles alegam que as mortes ocorreram em virtude das condições ambientas, e também dizem que elas foram a menor escala do que o registrado: apenas 15 milhões de pessoas. Eles tratam essa fase como “O difícil período de três anos”.
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