Escrita pelo pianista Rezsö Seress, a música foi considerada a causa da morte de centenas de pessoas em uma das lendas urbanas mais famosas da década de 1940
Pamela Malva Publicado em 02/09/2020, às 18h30
Presente em diversas culturas, a música é uma das manifestações artísticas mais queridas da humanidade. Com diferentes letras e acordes, as melodias têm o poder de influenciar a forma como nos sentimos e, em alguns casos, como nos comportamos.
Intitulada Gloomy Sunday, a composição do pianista húngaro Rezsö Seress é considerada uma das canções mais tristes de sua época. Conhecida pelo ritmo lento e pela letra melancólica, ela foi ligada à diversos boatos na década de 1940.
Foi inspirado nas tragédias da guerra e nos pecados das pessoas a sua volta que Seress criou sua obra, em 1933. Nos anos seguintes, a música passou a ser conhecida como a ‘canção húngara do suicídio’ e chegou a ser proibida na Europa.
Tristeza e solidão
Morando em Paris, Rezsö Seress sonhava em se estabelecer como compositor. Assim, em 1932, ele começou a rascunhar a letra de Gloomy Sunday. O mundo passava pela Grande Depressão e, como se isso não fosse o suficiente, a Hungria estava sob intensa influência do regime fascista.
Ainda que parecesse preocupado com o futuro da humanidade, muitos especialistas afirmam que a maior preocupação de Rezsö Seress tinha outro nome. Nesse sentido, acredita-se que a grande motivação da letra vinha das melancolias pessoais do artista.
Dessa forma, em 1933, a polêmica Gloomy Sunday surgiu, denunciando as injustiças da humanidade. A versão do húngaro, no entanto, tornou-se obsoleta quando outras surgiram, tratando de diferentes temas, através de outras letras.
Amor doloroso
Publicada ainda no mesmo ano de 1933, a letra do poeta László Jávor é a versão mais conhecida de Gloomy Sunday. Para a canção, o homem inspirou-se no término de seu relacionamento e produziu uma música verdadeiramente triste.
Tamanha foi a comoção causada pela melodia, que várias lendas urbanas surgiram a partir da canção. Tudo piorou quando, 35 anos depois de criar a música, Rezsö Seress cometeu suicídio, em 1968.
Para muitos teóricos da conspiração, que já caracterizavam a música como uma canção suicida, esse foi o atestado de que, de fato, a melodia deixava as pessoas transtornadas. Foi assim que deu-se início a uma comoção na Europa.
Tragédia anunciada
Não demorou muito para que, em meados da década de 1940, a sociedade culpasse Gloomy Sunday pelos diversos suicídios cometidos nos países europeus. De Budapeste a Londres, a música teoricamente varria toda a felicidade do mundo e das pessoas.
Em Viena, uma adolescente segurava a partitura da canção quando se afogou. Não muito longe dali, uma mulher teria morrido de overdose, enquanto escutava a trilha em repetição e um homem teria se matado, deixando um bilhete com o nome da música.
Embora as centenas de registros fossem realmente impressionantes, diversos estudiosos sugerem outro motivo para os suicídios. O mundo estava entrando na Segunda Guerra Mundial e muitas pessoas não viam outra saída para a fome e a pobreza que se alastravam pela Europa — isso sem contar a ascensão da Alemanha nazista.
Magia e maldição
Na época dos boatos, contudo, ninguém prestou atenção nas justificativas mais prováveis, já que uma música amaldiçoada era muito mais alarmante. Assim, não demorou até que a canção húngara fosse banida em alguns casos.
A versão da norte-americana Billie Holiday, por exemplo, foi proibida pelas redes de transmissão da BBC. Na época, o gigante grupo de comunicação afirmou que a melancólica letra de Gloomy Sunday era prejudicial à moral durante a guerra — ainda que nenhum estudo tenha comprovado a relação entre a música e os suicídios.
Todas as proibições foram suspensas apenas em 2002 e, hoje, é possível conferir algumas das várias versões da música na internet. Os diversos boatos, inclusive, continuam sendo difundidos e geram mais engajamento a cada publicação.
Modernidade insólita
Apesar de sua carga negativa, de sua melodia triste e da letra trágica, a música de Rezsö Seress ficou tão famosa que diversos artistas quiseram representá-la. Assim, a canção foi regravada por mais de 90 vezes entre 1935 e 2017.
Em 1993, inclusive, uma das versões da música foi usada na trilha sonora do longa A Lista de Schindler, de Steven Spielberg. Sua existência e a polêmica por trás dela, contudo, divergem opiniões até hoje.
Enquanto, de um lado, muitos entusiastas das artes afirmam que a música é linda e carregada de sentimentos, outros afirmam que ela não passa de uma canção monótona, com letras e acordes deprimentes. A única certeza é de que não, ela não causa suicídios.
Confira a música Gloomy Sunday — que não é amaldiçoada — abaixo:
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