Um acidente rural acabou trazendo à tona um episódio sombrio ocorrido em uma cidade do interior de São Paulo
Ingredi Brunato, sob supervisão de Thiago Lincolins Publicado em 12/09/2021, às 10h00
Em 2003, o passado terrível de uma cidadezinha do interior de São Paulo veio à tona inesperadamente. O então pacífico terreno rural fora um campo de trabalhos forçados cujos donos eram abertamente devotos à ideologia nazista.
Donos foram acusados de punições físicas severas e de obrigar a realização de saudações a retratos de Adolf Hitler como parte do cotidiano dos lavradores que estavam na fazenda em condições análogas à escravidão.
Outro detalhe é que este tenebroso cenário repleto de suásticas foi revelado não por uma pesquisa histórica, mas de forma acidental.
Tudo começou quando os porcos do fazendeiro José Ricardo Rosa Maciel, que é apelidado de "Tatão", fugiram. Durante seu escape, os animais se chocaram contra a construção onde estavam sendo mantidos, causando estragos.
“Eu cuidava dos porcos numa casa antiga. Um dia, eles quebraram uma parede e escaparam. Notei que os tijolos tinham caído", explicou o homem, segundo divulgado pela Revista Galileu em 2014.
Foi então que Tatão notou as suásticas esculpidas no material. Sua esposa, Senhorinha Barreta da Silva, que na época estudava na USP, levou um dos tijolos para o professor de história Dr. Sidney Aguilar Filho, que ficou muito interessado no achado e decidiu investigá-lo melhor.
“Fui até a fazenda, onde encontrei uma profusão de insígnias com a suástica, não só nos tijolos, mas em fotografias da época, marcas nos animais, bandeiras", contou o pesquisador, que estudou o local durante oito anos.
No artigo escrito por Aguilar, que foi publicado em 2011 com o título “Educação, autoritarismo e eugenia: exploração do trabalho e violência à infância desamparada no Brasil (1930-1945)”, ele explica que encontrou documentos históricos apontando para um acontecimento paralelo a este.
Tratava-se da vez em que 50 meninos haviam sido retirados do orfanato Romão de Mattos Duarte em grupos de dez e vinte, começando a partir de 1933, e levados para a fazenda em questão. "Nessas duas histórias, estava a presença da ideologia nazista”, relatou o especialista.
Os moradores do rancho decorado com suásticas eram da família Rocha Miranda, que administrava um verdadeiro império industrial e era uma das mais abastadas da época.
Osvaldo Rocha Miranda, filho do patriarca, foi acusado de retirar os garotos do orfanetos e depois colocá-los em condições desumanas na fazenda.
"Minha pesquisa se focou em que sociedade era essa, que Brasil era esse? Era uma cultura extremamente racista e preconceituosa. Na geração seguinte à abolição da escravatura, a estética era extremamente marcada pelo racismo. Com os olhos de hoje, é muito chocante”, afirmou Aguilar.
Embora um dos descendentes dos Rocha Miranda tenha negado que os lavradores do local eram órfãos pobres tratados em condições análogas à escravidão, assim como os elementos nazistas da história, dois dos sobreviventes discordam.
Um deles era Argemiro dos Santos, que foi entrevistado pelo professor de história durante a escrita da tese. "Na fazenda havia fotografias de Hitler, e o tempo todo você era forçado a saudar com o ‘anauê’, a saudação alemã”, relatou ele.
Já Aloysio da Silva, que era um senhor de 90 anos de idade no ano de 2014, quando o assunto foi repercutido nacionalmente, ainda lembrava do dia em que saiu da instituição Romão de Mattos Duarte com Osvaldo, que havia trazido doces para ajudar a persuadir os jovens.
“Ele prometeu o mundo. Mas não era nada daquilo. Nós recebemos enxadas, uma cada. Para tirar o capim, para limpar a fazenda. Fiquei preso porque me enganaram. Fui trapaceado. Esquentou meu sangue”, relatou o homem, que também contou que dentro do rancho os meninos não eram identificados por seus nomes, e sim por números. O seu era "23".
“Eles [os sobreviventes] relatam um tratamento muito rígido, sujeito a punição física, sem permissão para deixar a fazenda sozinhos ou sem autorização, trabalho intensivo, com pouca ou nenhuma remuneração", contou Aguilar a respeito de suas descobertas.
"Aloysio se refere a uma infância roubada e fala de escravidão. Argemiro não usa a palavra, mas confirma o uso sistemático da palmatória, violência física, chicotadas e punições”, revela.
Veja abaixo um vídeo que mostrou imagens da fazenda.
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