O neonazista Nicky Crane em fotografia da época - Wikimedia Commons
Personagem

Deserdado por skinheads: Nicky Crane, o neonazista que se assumiu homossexual

Com seus ideais extremos, o britânico protagonizou o cenário supremacista da época e aterrorizou a Inglaterra dos anos 1980

Pamela Malva Publicado em 06/06/2020, às 08h00

Em 1981, o jornalista e crítico de rock Garry Bushell ficou responsável pela compilação de um novo CD de punk britânico. Chamado Strength Thru Oi!, o álbum contava com músicas das bandas The Toy Dolls e 4 Skins.

Quando as faixas já estavam escolhidas, Garry teve de escolher a foto que ilustraria a capa do CD. Ele buscava por uma imagem que representasse o cenário punk da época e ainda combinasse com a proposta da obra.

Eventualmente, o jornalista encontrou a foto de um homem careca, cheio de tatuagens. Na imagem, Nicky Crane chutava o ar e fazia uma careta para a câmera. Garry ficou entusiasmado e decidiu que aquela seria a capa do CD.

Em pouco tempo, no entanto, descobriu-se que, muito mais do que apenas parecido com um skinhead, Nicky Crane era um verdadeiro neonazista. A controversa capa do álbum inflamou discussões por toda a Inglaterra e Garry admitiu seu erro.

A capa do álbum Strength Thru Oi! com Nicky Crane na capa / Crédito: Wikimedia Commons

 

Suásticas e segregacionismo

Nascido em maio de 1958, em Kent, na Inglaterra, Nicola Vincenzo Crane sempre sentiu-se representado pelas ideologias neonazistas. Ao final da década de 1970, ingressou no Movimento Britânico (BM) e tornou-se fundador de um sub-grupo em Kent.

Em meados de 1980, fiel à causa da supremacia branca, Crane atacou e agrediu uma família negra em um ponto de ônibus da estação Liverpool Street. Uma vez identificado, ele foi preso, mas teve sua sentença suspensa.

Reconhecido como um ícone do cenário neonazista da época, Nicky Crane foi estampado em camisetas e calendários, ainda nos anos 1980. Foi então que, graças à sua aparência agressiva, ele foi escolhido para a capa do álbum Strength Thru Oi!.

Nicky Crane nas camisetas e calendários da época / Crédito: Divulgação

 

Barras de ferro

Após a polêmica do CD, onde Crane teve grande parte de suas tatuagens neonazistas apagadas na edição, ele foi condenado e preso novamente, em 1981. Dessa vez, ele foi sentenciado por seu papel em um ataque violento organizado pela BM contra um grupo de jovens negros na estação de Woolwich Arsenal.

Livre da cadeia em 1984, Crane passou a servir como segurança para a Skrewdriver, uma banda skinhead. Nicky manteve-se no emprego pelo resto da década e chegou a participar de alguns processos criativos da banda.

Em 1986, ele foi preso novamente por uma briga no metrô. Criador das capas de dois álbuns da banda Skrewdriver, Nicky ainda foi um personagem chave na criação da Blood and Honor, uma rede neonazista, em 1987.

Nicky Crane com suas tatuagens e uma camiseta neonazista / Crédito: Divulgação

 

O fim de um neonazista gay

Ao mesmo tempo em que arquitetava ataques neonazistas, Nicky também vivia se esgueirando entre bares de clubes gays de Londres. Apesar de evitar construir relações com o cenário gay da época, contudo, seu segredo acabou sendo revelado.

Ainda ligado às atividades do neonazismo, Crane atuou em alguns filmes pornôs. Em janeiro de 1990, foi confrontado por ativistas antifascistas e, após uma tentativa frustrada de fuga, foi espancado pelo grupo.

Em meados de 1992, levemente cansado das ideologias supremacistas, Nicky falou sobre sua sexualidade em um programa de TV e, por isso, foi automaticamente desligado do movimento neonazista. Ser gay e skinhead não era uma opção.

Logo que sua homossexualidade foi revelada, o jornal britânico The Sun aproveitou do momento e publicou um artigo sobre Nicky. Meses mais tarde, Crane foi vítima fatal de uma doença relacionada à AIDS, em dezembro de 1993. Ele tinha 35 anos.


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