Major Curió chegou a divulgar uma série de documentos que revelaram crimes
André Nogueira, com edição de Isabelly de Lima Publicado em 05/05/2020, às 12h03 - Atualizado em 17/08/2022, às 14h58
Sebastião 'Curió' faleceu hoje, 17, devido a uma falência múltipla de órgãos e estava internado dese o início da semana. O ex-militar tinha 87 anos e morava em Brasília, onde vivia recluso há anos.
Sua última aparição pública foi no início da pandemia, em que visitou o presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto. Na conversa dos dois, confome publicado em um texto pelo próprio Planalto, o encontro teria exaltado o papel de Curió na morte de vários guerrilheiros. Por conta de seu conteúdo forte, o texto foi retirado do ar a pedido da Justiça.
Major Curió é a alcunha de guerra de um agente, que teve participação direta na repressão militar durante a ditadura, chamado Sebastião Rodrigues de Moura, atualmente tenente-coronel da reserva e réu em processos por crimes contra a humanidade durante sua atividade como oficial.
Sua principal atuação foi como agente infiltrado, torturador e repressor contra a Guerrilha do Araguaia, no Sul da Amazônia. Sebastião acrescentou oficialmente o prosônimo Curió ao seu nome completo.
Iniciando treinamento em Fortaleza, o militar mineiro era pugilista e viveu da profissão por um bom tempo. Foi nesse período que ganhou o apelido de Curió - se pareceria com o pássaro durante rinhas que fazia. Completando o treinamento de cadete, ingressou na Academia Militar das Agulhas Negras, onde se especializou em engenharia.
Chegando ao posto de tenente, ele passou a servir o Centro de Informações do Exército e o Serviço Nacional de Informações, órgãos de espionagem e repressão contra articulações políticas de derrubada do regime. Nessas posições, foi indicado entre os militares responsáveis pelas atividades de implosão da Guerrilha do Araguaia, movimento armado comandado pelo PCdoB contra a Ditadura.
Segundo relatórios da Comissão Nacional da Verdade, Curió foi diretamente responsável pela execução, por parte do Exército, de 41 membros da guerrilha, entre os 67 guerrilheiros assassinados no processo, entre 1973 e 1975, num movimento acusado por Elio Gaspari, escritor responsável por uma quintologia sobre a Ditadura, de ser um claro processo de extermínio.
Major Curió foi membro importante da Operação Marajoara, um conjunto de militares que venceu os guerrilheiros no Pará em 1975, operando em centros de repressão nas bases de Bacaba, Marabá e Xambioá, com execuções e ocultamento de cadáveres. Foi descrito como um torturador violento, inclusive por denúncias do politico José Genuíno.
Participando de sessões de tortura e unidades de investigação, ele se manteve disfarçado com identidades falsas fornecidas pelo próprio Governo Geisel, passando por repórter da Globo, civil de nome Paulo e, como ficou mais famoso, técnico do Ministério da Agricultura Marco Antônio Luchinni.
Muitas das descrições das ações militares no Araguaia foram fornecidas pelo próprio Major Curió em 2009, quando revelou publicamente uma série de documentos sobre a Guerrilha, que guardou numa mala de couro vermelha durante 35 anos.
As informações, que viriam a ser base para a biografia Mata! – o Major Curió e as Guerrilhas no Araguaia, detalhavam as execuções de opositores nas bases militares da Amazônia. Em seguida, os relatórios foram usados como vieses confirmatórios para as acusações judiciais contra o coronel.
Após as brutais ações no Araguaia, Curió foi indicado como interventor federal na região da Serra Leste, onde se localizava a famosa zona de garimpo da Serra Pelada. Lá, criou importantes articulações políticas, principiante por ser confidente próximo de Ernesto Geisel. Isso possibilitou o nascimento da cidade de Curionópolis, de onde seria prefeito em 2000, por conta de lobbys que criou desde os anos 1980.
Sua atividade no Pará resultou no aumento dos garimpos e um possível lucro não oficial por parte do militar. Nesse tempo, ele também foi enviado pelo governo federal para comandar uma operação de repressão contra um acampamento de famílias de sem-terra no Rio Grande do Sul. No entanto, ao contrário do ocorrido na bacia do Araguaia, essa ação falhou.
Ainda nos anos 1980, ele deu início a uma carreira política, sendo eleito Deputado Federal pelo PDS, e tornou-se aliado de grandes garimpeiros e ruralistas no desenvolvimento de organismos de facilitação do trabalho de mineração entre os mais ricos. Também integrou a Comissão de Segurança Nacional da Câmara.
Em 2012, ele foi processado pelo ministério Público Federal pelos crimes cometidos durante a ditadura, mas o pedido de abertura foi recusado pelo juiz federal João César Otoni de Matos.
As provas contra Curió eram, em maior parte, os documentos que o mesmo revelou em 2009, que atestam execuções politicas. Dois anos depois, seu nome foi citado em um relatório da Comissão Nacional da Verdade, que delatou 377 agentes do Estado por crimes contra os Direitos Humanos.
Os advogados do militar atestaram que nenhuma ação podia ser movida contra ele na Justiça, pois suas atividades são protegidas pela Lei da Anistia de 1979. No entanto, o Ministério Público defende que seus crimes são alheios à revogação ou à prescrição por se tratarem de atos de lesa-humanidade.
Além disso, Curió ainda teve possibilidade de se tornar réu em acusações já formuladas de sequestro, execução, assassinato e ocultação de cadáver.
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