Sua liberdade só foi conquistada graças a ajuda de Carol Dogde, mãe de Angie, que se tornou a primeira familiar de uma vítima a tentar provar a inocência de um condenado pelo Estado
Fabio Previdelli Publicado em 09/12/2020, às 18h00
Tudo começou com uma simples falta no trabalho. Angie Dodge não havia comparecido no salão de beleza no centro de Idaho Falls, nos Estados Unidos, naquele 14 de junho de 1996. Assim, suas duas amigas e colegas de ofício, Julia e Tawni, foram até sua casa para saber se estava tudo bem com ela.
Após baterem incessantemente na porta de seu apartamento, que ficava no último andar do edifício, as duas resolveram entrar para ver se Angie precisava de alguma ajuda. Elas chamaram por seu nome, mas não obtiveram resposta.
Conforme iam adentrando a residência, notavam sinais de uma pequena e restrita reunião no dia anterior: como um cinzeiro cheio e alguns copos de plástico espalhados pela casa. Quando chegaram na sala de estar, as coisas pareciam normais, mas tudo mudou quando abriram a porta do quarto.
Dodge estava deitada no chão. Sem vida. Sua cabeça encostava na parede e, ao seu lado, o colchão estava coberto com um lençol ensanguentado. Suas mãos estavam perto de seu tronco, que por sua vez embebia de sague o tapete.
Angie foi estuprada e esfaqueada até a morte. Após ser violentada, sua garganta sofreu um corte e, além disso, seu corpo tinha mais de uma dúzia de perfurações. Um fato que chamou a atenção da polícia é que apesar dos sinais de luta no local, a porta do apartamento estava intacta, sem sinais de entrada forçada. O criminoso tinha a confiança da jovem de 18 anos.
A polícia concluiu que a jovem foi assassinada entre as 00h45 e as 11h15 de 13 de junho. Suas vestes e a roupa de cama foram levadas para exames e coletagem de DNA. “Havia uma amostra clara de sêmen coletada diretamente do corpo da vítima. Foi uma amostra muito boa. Um perfil sem contaminação”, disse Greg Hampikian, um dos principais especialistas em DNA que trabalhou no caso, em entrevista à BBC.
O suspeito confesso
Idaho Falls sempre recebia diversos turistas que iam visitar o Parque Nacional de Yellowstone. Foi justamente naquela região que Christopher Tapp estava quando recebeu a notícia do crime. O garoto de 19 anos, que abandonou a escola, fazia parte dos Ratos do Rio — grupo que passava o verão inteiro bebendo na margem do rio Snake.
A garota morta costumava a passar um tempo por lá, assim, todos os membros do Ratos do Rio foram convidados para uma coleta de DNA quando o Departamento de Polícia de Idaho Falls começou as investigações. Naquela época, os policias achavam que mais de uma pessoa estava ligada ao crime.
Após as análises, as amostras do grupo não coincidiram com a do DNA colhido na cena do assassinato. Por se tratar de um crime que ganhou uma enorme repercussão e que não apresentava provas concretas para nenhuma direção, a polícia não descartou nenhum suspeito.
Sete meses depois, em janeiro de 1997, Benjamin Hobbs, melhor amigo de Tapp, foi preso por estuprar e ameaçar, com uma faca, uma mulher em Nevada, estado vizinho. Pela similaridade do crime, Christopher foi chamado para depor.
Interrogado, foi sincero, dizendo que não sabia de nada e que não conseguiria ajudá-los. Porém, a polícia passou a acreditar, mesmo sem provas, que ele poderia estar envolvido no assassinato. Ao longo de três semanas, Tapp foi interrogado inúmeras vezes —passando mais de 100 horas respondendo perguntas dos agentes.
Exausto e já incapaz de falar, foi convencido que a melhor maneira de ser liberado seria se ele confessasse o crime. Isso aconteceu após lhe oferecerem imunidade total. Após passar em testes de poligrafo e ser ameaçado de ser jogado em uma “câmara de gás”, ele confessou.
O ato foi aceito pelos policiais, mesmo após uma contraprova de DNA reiterar que o material genético encontrado na casa não lhe pertencesse e mesmo após as seis versões diferentes que ele foi induzido a falar. As ameaças de que passaria o resto da vida na cadeia falaram mais alto que sua sanidade.
A busca pela verdade
O julgamento de Christopher começou em maio de 1998, durando apenas 13 horas. Durante todo esse processo, Tapp alegou inúmeras vezes que não havia cometido o crime. Sua defesa pediu a desqualificação do testemunho, mas o recurso foi negado, e o rapaz foi considerado culpado pelo assassinato em primeiro grau, assim como estupro e uso de arma letal. Ele pegou prisão perpétua.
Quando ouviu o veredito, desabou a chorar. Sabia que havia sido injustiçado. Mas não teria para onde correr. Carol Dodge, mãe de Angie, o observou o tempo todo. Ela não conseguia entender: se a amostra de DNA não batia com a de Tapp, porque ele se recusava a apontar quem estava com ele na cena do crime?
Aquela pergunta lhe atormentaria por anos, por décadas, para ser mais preciso. Apesar do caso ter esfriado dois anos depois da prisão, ela nunca perdeu a esperança em prender os outros responsável pela morte da filha. Pelo menos era assim que ela enxergava o caso na época.
Depois de ouvir diversos especialistas e passar anos atrás estudando sobre DNA, Carol conseguiu contato com Greg Hampikian, fundador do Idaho Innocente Project, iniciativa dedicada a corrigir condenações errôneas.
Greg, então, analisou as diversas horas de interrogação de Tapp e chegou à seguinte conclusão: esse cara é inocente. “Eu fiquei com essas fitas por anos até finalmente sentar para vê-las. Mas quando o fiz, fiquei indignada com a polícia porque eles perguntavam algo a Chris e eles mesmos respondiam por ele”, declarou Carol.
Ela passou a ter dúvidas se Tapp realmente havia matado sua filha e foi muito além. O caso acabou sendo o primeiro em que a familiar de uma vítima trabalhava com uma organização particular para provar a inocência de um condenado pelo Estado.
Com o tempo, os dois passaram a ter ajuda de Michael Heavey, juiz aposentado e fundador de uma organização que luta para derrubar condenações errôneas. "Vi que era óbvio que esse cara não sabia de nada. Chris contou seis histórias diferentes, de dizer que ele não estava lá a confessar que a havia esfaqueado. Pensei: 'Por que ele está constantemente mudando a história?'", questionou Heavey.
Foi então que ele chegou à conclusão de que Tapp havia sido enganado e até mesmo sofrido uma lavagem cerebral para dar falso testemunho. "Chegaram a manipulá-lo para acreditar que ele estava escondendo memórias de ter estado no local do crime", diz Michael.
A liberdade e a justiça sendo feita
Após o esforço de Carol e a pressão dos especialistas, além da perspectiva de um longo processo de apelação, o promotor Daniel Clark concordou em um acordo para liberar Christopher. Tapp seria libertado da acusação de estupro, mas permaneceria sob a acusação de assassinato. Além disso, ele só seria solto após cumprir 20 anos na cadeia. Entretanto, ele seria completamente exonerado se a polícia encontrasse o verdadeiro criminoso.
Porém, ainda havia uma peça faltando em todo esse quebra-cabeça. Mas tudo começou a se resolver no final de 2018, quando CeCe More, uma especialista em DNA que sempre aparece em programas de televisão, decidiu encarrar o caso.
Após construir uma rede genética compatível com o DNA do criminoso, ela estabeleceu que o assassino tinha que ser neto ou bisneto de um homem chamado Clarence Ussery. Procurando registros e certidões, ela chegou a seis suspeitos, sendo que um residia em Idaho.
Porém, nenhuma das amostras bateram com a encontrada na cena do crime. Ela só encontrou outro nome depois que descobriu que um dos homens teve uma relação muito jovem com uma mulher, eles acabaram se separando e o filho do casal foi criado com o sobrenome do padrasto. Esse homem seria Brian Leigh Dripps Sr, que morava em frente a Angie na época.
Após analisarem o DNA de uma bituca de cigarro de Brian com o sêmen do local do crime, os testes deram positivos. Haviam achado o verdadeiro culpado. O mais surpreendente disso tudo é que Leigh Dripps foi entrevistado na época do crime e, por algum motivo desconhecido, acabou não sendo visto como potencial suspeito.
"[Me disseram] que o novo suspeito era Brian Leigh Dripps Sr. e eu levei um susto", contou Carol. "Eu disse: 'Brian Dripps? Você deve estar fazendo uma piada de mau gosto comigo. Eu implorei para que pegassem seu DNA na época e eles me disseram para deixá-los fazer seu trabalho. Ainda estou brava com isso. Estou chateada com o que eles fizeram comigo, quando poderiam ter resolvido esse caso há 23 anos”.
Apesar da indignação, o crime, enfim, teve um ponto final. No ano passado, em 2019, uma moção foi concedida a Tapp, que finalmente está livre, mas que pretende processar a cidade de Idaho Falls. Já Brian Leigh Dripps Sr. está preso e, se condenado, poderá enfrentar uma pena de morte. Seu julgamento está marcado para junho de 2021. Apesar de tudp, ele se diz inocente.
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