Realização da Copa do Mundo no Catar é alvo de polêmicas
Fabio Previdelli Publicado em 05/03/2022, às 11h00 - Atualizado em 20/11/2022, às 09h00
O Catar vem sofrendo diversas críticas em relação à exploração trabalhista de migrantes e o abuso de autoridade de empregadores. Antes de qualquer outra coisa, é preciso entender a situação do país.
Segundo dados expostos em matéria publicada pela CNN, a força de trabalho migrante no Catar diz respeito a mais de dois milhões de pessoas. O número representa 95% de todos os trabalhadores do país.
O índice torna o país como uma das nações com a maior proporção de trabalhadores migrantes no Oriente Médio, principalmente entre as que compõem o Golfo; e também no mundo, conforme aponta a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Grande parte desta parcela atua em setores onde a mão de obra é pouco qualificada, como na área de construção civil. Apesar de fazerem parte de um núcleo essencial para o crescimento do país, esses trabalhadores enfrentam condições de trabalho extremamente injustas.
Um relatório da ONU, de 2020, mostra que existe “sérias preocupações de discriminação racial estrutural contra estrangeiros” no Catar, principalmente dos oriundos do Sul da Ásia e da África Subsaariana.
Para muitos no Catar, a nacionalidade e a origem nacional determinam a extensão do gozo de seus direitos humanos”, aponta a relatora Kombou Barry, que visitou o país em 2019.
Uma das questões levantadas por Barry é que as leis trabalhistas do país acabam em “imensos desequilíbrios de poder entre empregadores e trabalhadores migrantes”. Além do mais, muitos destes migrantes vivem um “clima de medo”, o que os impede de explanarem as situações que vivem, por medo de represálias.
Para tentar minimizar parte desses problemas, o Catar introduziu um salário mínimo, não discriminatório, no valor de 275 dólares (cerca de R$1.400) para migrantes e trabalhadores do próprio país. Apesar da medida, estipula-se, segundo aponta a CNN, que a renda média de famílias cataris seja 11 vezes maior que este valor.
Outro fator preocupante é que migrantes que buscam trabalho no exterior, em uma grande parcela, se veem obrigados a pagarem as chamadas “taxas de recrutamento” para agências de seus países de origem. O custo, muitas vezes exorbitante, já torna esses trabalhadores vulneráveis, visto que muitos ficam com dívidas enormes para quitarem.
Entretanto, importante ressaltar que, nos últimos cinco anos, empreiteiros que trabalham para o Comitê Supremo se dispuseram, voluntariamente, a pagarem cerca de 33 milhões de dólares (por volta de R$166 milhões), em reembolsos para pouco mais de 48 mil trabalhadores — sendo que 18 mil destes não atuaram em locais da Copa do Mundo.
Em 2 de dezembro de 2010, o Comitê Executivo da FIFA, hoje extinto, elegeu os países que sediariam as Copas do Mundo de 2018 e 2022 — Rússia e Catar, respectivamente.
Após pouco mais de uma década da confirmação, o país do Oriente Médio já possui “entre 90 e 95%” das obras concluídas, aponta Hassan Al Thawadi, o homem encarregado de liderar os preparativos do evento — um progresso mais do que satisfatório, visto que muitas sedes correm contra tempo para terminarem tudo a tempo; isso quando as obras são entregues para a Copa.
O ‘sucesso’, se é que podemos chamar assim, foi construído com muito suor e, principalmente, sob acusações de maus tratos e abusos de direitos trabalhistas. De acordo com uma matéria do The Guardian, publicada em fevereiro de 2021, desde que o Catar se tornou sede da Copa, mais de 6,5 mil trabalhadores migrantes morreram no país.
O periódico britânico relata que grande parte das vítimas atuava em ‘trabalhos perigosos’ e com baixa remuneração. Além dos mais, os trabalhadores tinham que enfrentar o calor extremo que assola o Catar.
Embora o The Guardian não tenha ligado todas as mortes aos trabalhos de infraestrutura para a Copa do Mundo, um especialista afirmou ao veículo que “provavelmente muitos trabalhadores que morreram estavam empregados” com projetos ligados à Copa.
Autoridades cataris, no entanto, rebateram as acusações, alegando que o índice é bem menor que o divulgado: apenas três óbitos em obras de estádios e 35 ligadas ao trabalho em geral no país.
Al Thawadi disse, em entrevista à CNN, que o número de 6,5 mil mortes é "intrinsecamente enganoso” e sem contexto. “Quando sai uma manchete sensacionalista como essa, eu entendo as preocupações das pessoas”.
Como seres humanos, todos temos a responsabilidade de nos preocupar com esses assuntos, estou totalmente de acordo com isso. Mas também acho que é muito importante descobrir os fatos na prática”, acrescentou.
À CNN, a FIFA enviou um comunicado informando concordar com o número com o número oficial divulgado pelo Catar. “A FIFA e o Comitê Supremo (SC) do Catar sempre mantiveram a transparência em torno dessas fatalidades”.
A entidade também acrescentou que o SC sempre investigou todos os incidentes relacionados ao trabalho. “Com as medidas de saúde e segurança muito rigorosas no local aplicadas pelo SC, a frequência de acidentes em canteiros de obras da Copa do Mundo da FIFA tem sido baixa em comparação com outros grandes projetos de construção em todo o mundo”.
Por fim, a FIFA alegou que “continua a ser um desafio proteger totalmente os trabalhadores de perigos para a saúde que podem não estar diretamente associados ao seu trabalho no local”.
Al Thawadi completou que o governo sempre está “em discussões para revisar suas taxas gerais de mortalidade”. Ao rebater as acusações do The Guardian, informou que muito das mortes de trabalhadores ocorridas no país dizem respeito a médicos e professores que morreram de causas naturais ou foram vítimas de alguma enfermidade, sem nenhuma ligação com o trabalho relacionado aos estádios.
Os profissionais que escreveram a matéria, porém, alegam que o país faz pouco para explicar o motivo das mortes desses trabalhadores, visto que o Catar não costuma fazer autópsias rotineiramente. Portanto, é difícil estabelecer o que causou tais mortes.
O responsável por liderar os preparativos do evento, porém, não entende as coisas desta maneira. “Acho que o Estado do Catar tem demonstrado continuamente seu compromisso com a transparência. O simples fato de que as organizações de direitos humanos possam vir até aqui, fazer suas pesquisas e emitir seus relatórios do Estado do Catar é um testemunho do nosso compromisso”.
Através de uma nota enviada à CNN, a Anistia Internacional confirmou o fato. “Ao contrário da maioria dos países do Golfo, o Catar permite o acesso à Anistia Internacional para visitar o país e encontrar-se com autoridades para expor as nossas preocupações”.
Porém, é importante ressaltar que a organização não emite um relatório de dentro do país desde 2013. “Nem sempre é fácil obter acesso a trabalhadores migrantes e locais de trabalho. Muitos deles temem sofrer represálias por falar com organizações internacionais”, completou o comunicado.
Aliados a essa situação, o Catar também foi alvo de diversas denúncias de organizações ligadas aos Direitos Humanos, que apontou que milhares de trabalhadores que atuaram em etapas de construções de estádios e em projetos de infraestrutura foram submetidos aos mais diferentes tipos de violação.
Enquanto, desde 2010, muitos destes migrantes sofrem com o atraso de pagamentos, ou até mesmo em não receberem, outra parcela ainda atuou com condições insalubres, como passar horas trabalhando sob forte clima quente, sofrer intimidação de empregadores e até mesmo serem impedidos de deixarem seus empregos em virtude dos chamados 'sistema de patrocínio'.
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