Após um trágico acidente, o jornalista redigiu sua própria história de superação
Vanessa Centamori Publicado em 30/05/2020, às 09h00
Jean-Dominique Bauby tinha carreira de sucesso no auge dos seus 43 anos de idade. Editor da revista de moda Elle na França, ele dirigia seu carro conversível com seu filho Théophile na noite do dia 8 de dezembro de 1995.
De repente, o veículo virou aleatoriamente para o lado da estrada e o jornalista perdeu o controle do volante. A desoritenação ocorreu pois ele sofrera um acidente vascular cerebral (AVC) — incidente que mudou sua vida para sempre.
Emergência
Socorrido pelo filho e levado ao hospital Berck-sur-Mer, na costa norte francesa, o diagnóstico de Bauby foi síndrome locked-in (ou síndrome de bloqueio), doença rara que bloqueia a parte do sistema nervoso central que controla os movimentos.
Depois que acordou de um coma de três semanas, o homem não falava nem mexia os músculos. Era como se do nada seu corpo parasse de funcionar. Ainda assim, ele conseguia mover a pálpebra do olho esquerdo e estava lúcido.
O outro olho, no entanto, nem mais enxergava. O choque foi estrondoso. O jornalista perdeu 27 quilos em vinte semanas e se via agora aparentemente incapacitado. Como sair daquela situação?
Superação
Infelizmente, aquele quadro grave não tinha cura. Porém, Bauby deu a volta por cima: meses depois, decidiu escrever um livro — somente usando as pálpebras. O homem ditou seus próprios pensamentos. Para isso, criou um código em que letras do alfabeto, a sua frente, eram escolhidas conforme ele piscava.
Portanto, o escritor conseguia redigir, literalmente, sob um piscar de olhos. E daí, com a breve ajuda de uma fonoaudióloga e de sua namorada Florence Ben Sadoun, ele conseguiu criar capítulos e mais capítulos. A obra final, publicada pela primeira vez em 1997, ganhou o título de O Escafandro e a Borboleta.
Essa experiência surpreendente aparece também em um longa cinematográfico homônimo, de 2007, do diretor Julian Schnabel. A explicação para os títulos de ambas as obras, da literatura e do cinema, é bastante simples: metaforicamente, Bauby se sentia em um escafandro, um tipo de armadura pesada usada por mergulhadores, que limitava suas ações físicas.
Enquanto isso, sua mente era como uma borboleta que voava livremente assim como seus pensamentos. Uma comparação bem bonita, e que fica ainda mais virtuosa quando o filme compara o belo inseto de asas pintadas com os momentos de beleza humana que inspiram o escritor a seguir em frente.
Entre esses momentos marcantes, estão as cartas que ele recebe dos amigos, a visão da ex-mulher Sylvie de la Rouchefoucauld, a gargalhada dos filhos, e até o cheiro de batatas fritas, que é algo que aparece no filme.
Para se ter uma ideia do poder de resiliência de Bauby, ele redigiu com seus sistema de piscadelas sua própria história com um total de 200 mil piscadas do olho esquerdo. Um trabalho laborioso feito sob uma cadeira de rodas e que ficou pra sempre registrado.
O último voo
O jornalista, que já trabalhou para jornais franceses reconhecidos como o Combat e depois no Le Quotidien de Paris, morreu apenas um ano depois da publicação de seu livro, por conta de uma pneumonia, aos 44 anos de idade. Ele foi enterrado na cova de sua família, no cemitério de Père-Lachaise, em Paris.
Em um dos trechos mais representativos da obra deixada por Jean-Dominique Bauby, o escritor mostra como, ao longo de seus últimos momentos de vida, ele deixou sua mente se desprender de qualquer limitação física.
Bauby escreve: “Meu sino de mergulho se torna menos opressivo e minha mente voa como uma borboleta. Há muito a se fazer. Você pode passear no espaço ou no tempo, partindo para a Terra do Fogo ou para a corte do rei Midas".
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