Tanque circulando em Brasília durante a ditadura militar - Arquivo Nacional
Ditadura Militar

Arquivos mostram que ditadura brasileira temeu denúncia por genocídio de indígenas

Governo brasileiro participou de conferência da ONU, em 1968, preparado para se defender de acusações, detalham pesquisadores

Fabio Previdelli Publicado em 24/10/2024, às 12h30

Em 1968, a Organização das Nações Unidas realizou a Primeira Conferência Internacional sobre os Direitos Humanos, sediada na cidade iraniana de Teerã, marcando as comemorações das duas décadas da aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos. 

O Brasil, que naquela época vivia o auge da ditadura militar, iniciada após o Golpe de 64, foi liderado pelo embaixador Cyro Freitas Valle

Segundo os pesquisadores João Roriz e Renata Nagamine, da Universidade Federal de Goiás (UFG) e da Universidade de São Paulo (USP), o governo brasileiro estava preparado para enfrentar uma crise diplomática relacionada a possíveis denúncias internacionais de genocídio contra povos indígenas. No entanto, a pauta acabou não sendo abordada na agenda da reunião. 

Conforme repercutido pelo colunista Jamil Chade, do UOL, o Itamaraty já estava munido com estratégias para blindar o governo, apesar das preocupações apresentadas pelos generais, revelam os documentos da época. 

De acordo com o estudo, no fim da década de 1960, acusações contra o governo brasileiro já estampam manchetes de veículos nacionais e internacionais. "A ditadura militar começou a se sentir cada vez mais inquieta", apontam os pesquisadores. 

Afinal, no ano anterior, um relatório apontava que o órgão estatal Serviço de Proteção ao Índio estava envolvido em violações sistêmicas e generalizadas dos direitos de povos indígenas. Quando a palavra "genocídio" passou a ser usada pelos jornais, o governo autoritário brasileiro se sentiu constrangido. 

Estratégia de defesa

Para tentar justificar suas tomadas de decisões, as autoridades do país estavam preparadas para argumentar que as ações tomadas tinham um viés de "civilizar" a população indígena, rechaçando a possibilidade de genocídio. 

"Por trás dos argumentos legais da ditadura brasileira estava a ideia de 'democracia racial' entre as três raças no Brasil, os brancos, os negros e os indígenas", dizem os pesquisadores, conforme repercute Chade

Ela pressupõe que a sociedade brasileira vivia em uma harmonia quase paradisíaca, e que a cooperação no trabalho era essencial para o desenvolvimento do país".

Além disso, as autoridades brasileiras estavam preparadas para argumentar que o assunto não deveria fazer parte da agenda da ONU. "Sabe-se que as Nações Unidas não têm autoridade para lidar com queixas materiais relativas a violação de direitos humanos", dizia o documento preparatório da delegação brasileira.

Entretanto, como a pauta não foi debatida, os pesquisadores apontam que a delegação brasileira optou por permanecer em silêncio durante as audiências. "A delegação se comportou de forma muito discreta".

"Surpreendentemente, não há evidências de que tenha participado de qualquer discussão. Em todos os registros, não se encontra uma única observação feita pelo corpo diplomático brasileiro na transcrição de 176 páginas da primeira à décima terceira reunião ou na transcrição de 161 páginas da décima quarta à vigésima sétima reunião", apontam. 

Desta forma, os pesquisadores dizem que o governo brasileiro saiu da conferência sem arranhões, visto que os temas debatidos foram outros, como Israel, o apartheid e a luta anticolonial. 

Além disso, apontam que como grande parte dos participantes não representava regimes democráticos, o fato "pode ter permitido que o regime brasileiro se tornasse parte da coletividade autoritária".

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