A Criação de Adão, pintura que faz parte da Capela Sistina - Domínio Público
Michelangelo

Em soneto, Michelangelo revelou 'torturas' que viveu ao pintar a Capela Sistina

Ainda no primeiro entre os quatro anos de trabalho, Michelangelo escreveu sobre as dificuldades que passava: 'meu rosto vira um belo chão para excrementos'

Fabio Previdelli Publicado em 29/02/2024, às 19h00

Entre 1508 e 1512, Michelangelo dedicou seu tempo para pintar o teto da Capela Sistina. Embora sempre tenha se considerado um escultor, e não um pintor, a obra ficou eternizada como uma das mais famosas da história da arte. 

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Segundo Giorgio Vasari conta em 'Lives of the Artists, Michelangelo', o italiano relutou em aceitar o trabalho proposto pelo papa Júlio II — principalmente por estar atarefado com a grande encomenda do túmulo de mármore do pontífice. 

Retrato de Michelangelo/ Crédito: H. Michael Karshis, Creative Commons

 

Mesmo assim, acabou persuadido a aceitar o trabalho; mesmo sem nunca ter concluído um afresco anteriormente. Recusar um pedido do papa era algo inegável. Se bem que, em 1509, segundo o portal Das Artes, Michelangelo ainda tentou abandonar o projeto após o mofo arruinar meses de seu trabalho. Nada feito.

A pintura da Capela

Para conseguir alcançar o teto da Capela Sistina, Michelangelo não teve um trabalho nada fácil: precisou trabalhar praticamente sozinho em andaimes precários de mais de 18 metros de altura. 

Além disso, ao contrário do que a crença popular diz, o italiano teve que pintar enquanto estava de pé, e não deitado como muitas imaginam. "O trabalho foi executado em condições extremamente desconfortáveis, tendo o pintor que trabalhar com sua cabeça sempre inclinada para cima", escreve Vasari.

A única técnica aplicada no teto da Capela Sistina foi a do afresco, quando a pintura é feita em cima do gesso úmido. Com 40,9 metros de comprimento por 14 de largura, a temática que mais se faz presente na pintura é a doutrina humana pela Salvação. 

Parte do teto da Capela Sistina, no Vaticano - Getty Images

 

Sendo a seção central do teto, a mais conhecida entre elas. Por lá, o italiano usou da influência dos quatro episódios da história de Adão e Eva — com a cena principal, A Criação de Adão, sendo uma das mais famosas e representativas de todos os tempos, igualada somente a Mona Lisa, de seu rival Leonardo da Vinci

Poema de desespero 

Apesar de imortalizado por conta de seu trabalho, Michelangelo não guardou boas recordações da experiência. Afinal, em 1509, ainda em seu primeiro ano de pintura, ele escreveu um soneto para seu amigo, Giovanni da Pistoia, apontando as mazelas de sua função. 

Entre as queixas do italiano estavam o surgimento do bócio (uma glândula tireoide aumentada); sua coluna, que estava torta e nodosa; as câimbras constantes em suas coxas; a dor nas nádegas devido ao esforço; e seu peito, que estava tenso e retorcido. 

A postura foi sua principal vilã — afinal, como já dito, o italiano realizou todo seu trabalho de pé. Mas não foi só isso, enquanto estava sozinho no alto dos andaimes, Michelangelo ainda ficou aprisionado em seus pensamentos, como revela no soneto. Leia o soneto, repercutido pela revista AGNI.

"Já ganhei bócio por causa dessa tortura,
curvado aqui como um gato na Lombardia
(ou em qualquer outro lugar onde a água estagnada seja venenosa).
Meu estômago está esmagado sob meu queixo, minha barba
aponta para o céu, meu cérebro está esmagado em um caixão,
meu peito se contorce como o de uma harpia. Meu pincel,
acima de mim o tempo todo, pinga tinta,
então meu rosto vira um belo chão para excrementos!

Minhas ancas estão esmagando minhas entranhas,
minha pobre bunda se esforça para funcionar como contrapeso,
cada gesto que faço é cego e sem objetivo.
Minha pele fica solta abaixo de mim, minha coluna está
toda emaranhada por se dobrar sobre si mesma.
Estou tenso como um arco sírio.

Porque estou preso assim, meus pensamentos
são uma bobagem maluca e pérfida:
qualquer um atira mal com uma zarabatana torta.

Minha pintura está morta.
Defenda isso para mim, Giovanni, proteja minha honra.
Não estou no lugar certo — não sou pintor". 

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