Em 1916, Euclides da Cunha Filho tentou matar Dilermando — mas o desfecho não saiu como esperado
Pamela Malva Publicado em 27/09/2020, às 10h00
Na manhã do dia 15 de agosto de 1909, o grande jornalista Euclides da Cunha fez o inimaginável. Indignado com as traições de sua esposa, Ana Emília Ribeiro, ele pegou o revólver de seu primo e caminhou até uma casa no bairro Piedade.
Já eram quatro anos de relacionamento extraconjugal e Euclides não aguentava mais a situação. Queria matar Dilermando de Assis, o cadete de 21 anos que estava namorando sua esposa às escondidas.
Naquele dia trágico, então, Euclides irrompeu na casa de Dinorah, irmão do cadete, e foi até o quarto do jovem, que se vestia. A arma do jornalista foi disparada diversas vezes, acertando os dois irmãos. Em resposta, Dilermando sacou seu próprio revólver.
O duelo do século foi travado entre os dois homens. Com treinamento militar, contudo, o jovem cadete acabou acertando um tiro fatal no peito do jornalista. Dilermando e Dinorah, por sua vez, sobreviveram.
Rio de Janeiro em luto
O episódio logo ficou conhecido como a Tragédia de Piedade; ao mesmo tempo, o cadete nunca mais deixou de ser chamado de assassino. Ainda que tivesse sido inocentado pela justiça — já que teria matado em legítima defesa —, ele jamais foi perdoado pela mídia.
A comunidade do Rio de Janeiro, por sua vez, também não facilitava nem um pouco a vida da família. Eram boatos, fofocas e olhares de escárnio constantes, que julgavam cada passo de Ana e Dilermando, principalmente quando os dois se casaram.
Juntos, os amantes tiveram mais alguns filhos e, assim, escandalizaram ainda mais a sociedade que já considerava o cadete um criminoso. Segundo a BBC, tudo piorou, no entanto, em julho de 1916, quando uma sequência da tragédia aconteceu.
Brigas ensanguentadas
A fim de vingar o assassinato do pai, Euclides da Cunha Filho, o Quidinho, encontrou Dilermando em um cartório. Aos 21 anos, o aspirante da Marinha brasileira abriu fogo contra o padrasto, que se inclinava sobre alguns papéis.
As balas atingiram Dilermando nas costas, no episódio que ficou conhecido como o “Segundo ato de uma tragédia emocionante”. O desfecho, contudo, não foi nem um pouco diferente da primeira parte: mesmo machucado, o novo marido de Ana conseguiu atirar em Quidinho, matando o jovem filho de Euclides da Cunha.
"Assassino do pai, matou também o filho", anunciou o jornal O Paiz, à época. Mais uma vez, a sociedade carioca se escandalizou com as atitudes de Dilermando que, aos olhos do povo, agora era um homem criminoso, que deveria ser preso.
Vítimas e traições
Cerca de dez anos depois da triste sequência de acontecimentos, Ana e Dilermando se separaram. Na época, o antigo cadete, que já era general, se apaixonou pela jovem Maria Antonieta de Araújo Jorge, ou Marieta.
Mesmo décadas mais tarde, Dilermando nunca deixou de ser considerado o assassino de um dos jornalistas e escritores mais célebres do Brasil. Essa é exatamente a reputação que Dirce de Assis Cavalcanti, única filha do militar com Marieta, quer mudar.
Segundo ela mesma explicou à BBC no ano passado, a alcunha que o pai recebeu é injusta. "Ele não é o assassino. Ele matou por legítima defesa. É só isso que eu gostaria de deixar definido”, lamentou Dirce, no aniversário da morte de Euclides.
Foi para limpar o nome do pai, inclusive, que Dirce lançou o livro O Pai, em meados de 1998. Através da obra, ela tenta dar uma nova versão aos fatos. "Eu vinha escrevendo esse livro a vida inteira, aos pouquinhos”, contou ainda à BBC. "Eu sempre achei que eu tinha que defender o papai de alguma maneira".
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