Tendo pertencido ao século 13, o corpo dissecado revelou informações surpreendentes a respeito do acesso a informação presente na Idade das Trevas
Caio Tortamano Publicado em 02/06/2020, às 07h00
O busto de uma pessoa, datando de 1200 a 1280 chamou a atenção da comunidade científica em 2013, pelo seu estado de conservação e por mostrar traços fundamentais da sociedade européia da Idade das Trevas. Novas análises foram feitas no que é considerado a mais antiga dissecação humana na Europa revelam que médicos da época não eram tão pouco curiosos como a denominação da época sugere.
Considerada como uma parte anti-científica da história europeia, a Idade das Trevas na realidade não ficou no ostracismo quanto a descobertas médicas, como foi constatado pela pesquisa da equipe de Philippe Charlier, pesquisador forense do Hospital Universitário R. Poincare, na França. O item estudado consiste de uma cabeça e ombros em ótimo estado de conservação, com apenas o topo do crânio aberto e o cérebro retirado.
De acordo com as descobertas de Charlier “eu imagino que o responsável pela operação não realizou ela apenas uma vez, bem como outras várias com outros pacientes para ser tão bom com isso”, afirmou o pesquisador. As artérias da cabeça estudada estavam entupidas de uma cera vermelha, responsável por manter o bom estado de conservação do corpo.
A equipe não esperava que o corpo encontrado fizesse parte do século 13, muito por conta do pouco conhecimento científico que se tem a respeito de estudos anatômicos da Idade das Trevas. Datação por meio de radiocarbono confirmou a idade do cadáver dissecado, tornando ele o mais antigo de toda Europa a se ter registro.
O corpo masculino não foi simplesmente aberto sem nenhuma referência, ele foi colocado em conserva, possivelmente para estudos póstumos. A identidade que esse homem teria, porém, é meramente especulativa, provavelmente tendo três origens distintas: um prisioneiro falecido, uma pessoa internada em algum centro médico, ou mesmo apenas um indigente, do qual o corpo ninguém reivindicou.
Pertencente a uma coleção particular, o homem dissecado fará parte do acervo do Museu da História da Medicina, em Paris, e estará em exposição para os seus visitantes.
Idade das Trevas
O período denominado como tal compreende o final do domínio do Império Romano sob a Europa até o Renascentismo. O nome foi concedido por históriadores do século 19, que acreditavam que era um momento de barbárie e ignorância, especialmente por conta da altíssima taxa de analfabetismo nos reinos.
Os pesquisadores medievais contemporâneos, entretanto, vem trabalhando para desmistificar a visão de que foi um período de conhecimento intelectual perdido, o que se demonstra uma grande falácia. Essa narrativa mentirosa, por assim dizer, foi muito motivada pelos historiadores britânicos protestantes, que incitavam um movimento anti católico depois do rompimento com a Igreja nas Reformas de Lutero.
Por exemplo, o matemático renascentista Copérnico, que desenvolveu teorias corretas a respeito do movimento de rotação e translação da Terra — afirmando o heliocentrismo — creditou suas pesquisas ao poeta romano Virgílio. Na realidade, sua pesquisa se baseou em um padre francês que viveu entre 1300 e 1358 (portanto, na Idade das Trevas) chamado Jean Buridan.
Contra-cristianismo
Por toda essa situação, foi amplamente difundido que a Igreja Católica não permitia que a Igreja medieval permitisse autópsias e dissecações humanas, e que isso teria atrasado os avanços médicos na época. Isso, na realidade, aconteceu em diferentes sociedades ao longo das eras, como a Grécia Antiga e Roma (louvadas por historiadores e pesquisadores protestantes).
Na realidade, a Igreja Católica solicitou a realização de algumas dissecações ao longo da Idade Média, o primeiro exemplo conhecido foi realizado em 1308, quando freiras abriram o corpo de Chiara de Montefalco, uma abadessa que seria canonizada em 1881.
Seja como for, a importância dos estudos desse corpo humano dissecado são inegáveis. Graças a pesquisadores, hoje é possível se ter maior conhecimento e entendimento das práticas médicas que, por eras, acreditávamos não terem sido praticadas.
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