Documentário mostra que a China é um país muito mais complexo do que a visão atual na pandemia tenta passar
Coluna - Alexandre Carvalho Publicado em 07/03/2021, às 09h00
Pautado por animar seus devotos com uma retórica ideológica em que se destaca o anticomunismo – ressuscitando uma visão maniqueísta dos tempos da Guerra Fria –, o desgoverno brasileiro tem disseminado uma ideia deturpada do que é a China.
Bolsonaro e seus ministros mais tresloucados dizem que, como a China é comunista – e o Brasil historicamente se alinhou com o capitalismo dos americanos –, tudo que vem desse gigante asiático só pode ser ruim. Ou quase tudo.
O dinheiro que escorre para cá das nossas relações comerciais está longe de ser algo a se rejeitar. Assim como os insumos para a CoronaVac, “a vacina chinesa do Doria”, que por ora é o imunizante mais utilizado no Brasil contra o coronavírus.
O documentário nacional A Ponte de Bambu é uma tentativa de mostrar que a China é um país muito mais complexo do que essa visão simplista tenta disfarçar. O filme conta a história de uma família de brasileiros, caucasianos, que se mudou para lá em plena Revolução Cultural.
O jornalista Jayme Martins teve suas filhas na China e abraçou o novo lar a ponto de, na infância, as meninas só falarem chinês.
Na primeira vez em que voltaram para o Brasil, durante a Ditadura Militar, Jayme foi preso, por ter chegado “de um país comunista”, e apanhou na cadeia – uma violência que ele nunca sofreu na Ásia.
Nessas idas e vindas cruzando o planeta, que duram até hoje, a família criou raízes sentimentais no Oriente: sente-se meio chinesa, embora lamente ser vista como estrangeira pelos locais.
Eles também foram testemunhas do pior e do melhor que os chineses tiveram ao longo de décadas. Mas é aí que o filme peca. A truculência de Estado e o autoritarismo são pouco comentados.
Como a família de Martins sempre foi bem tratada por lá, sua visão da China – pelo menos no filme – parece acrítica. Tudo passa pelas lentes da nostalgia familiar. Embora alguns diálogos ajudem a derrubar estereótipos ligados ao comunismo, a abordagem é superficial.
E essa lacuna vai desde o desrespeito aos direitos humanos até a incrível evolução das políticas de mercado do país – talvez o mais capitalista dos comunistas.
Ainda assim, é um filme prazeroso de se assistir. Sua força está nos sentimentos contraditórios dessa família, carente de pertencimento na pátria que escolheu amar – e nos caminhos inesperados do afeto e do sentir-se livre em contextos improváveis.
A Ponte de Bambu Brasil, 2020
Direção: Marcelo Machado
Onde ver: Now, Vivo Play, Oi Play
Alexandre carvalho é jornalista e criou, em 2005, a revista de cinema paisà. é autor dos livros inveja – como ela mudou a história do mundo (2015) e freud – para entender de uma vez (2017)
**A seção Coluna não representa, necessariamente, a opinião do site Aventuras na História.
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