Era outra infância — no entanto, não tão distante da nossa
Pedro Paulo Funari Publicado em 03/02/2020, às 13h00
Será que os romanos, quando crianças, tinham brinquedos? Só a pergunta já mostra como nossas ideias sobre os romanos costumam ser um tanto exageradas, como se eles quase nem fossem seres humanos. Parece, às vezes, que já nasciam adultos e que todos eram sanguinolentos e brutais.
Não é nada disso, naturalmente. Mas é verdade que cada sociedade possui regras de convivência próprias e que podem nos parecer estranhas, embora tenham sua explicação. Como viviam as crianças romanas? Não é fácil responder a essa pergunta, menos ainda no que se refere às classes baixas, cujos vestígios são menos numerosos.
Controle de natalidade
Por isso, vamos ver como era a vida infantil na elite, ou antes mesmo disso, como os romanos programavam a gravidez. Era possível "programar"? Em termos, sim. As mulheres da elite que amamentavam seus filhos o faziam por até três anos, o que retarda a retomada da ovulação.
Mas havia métodos mais drásticos, que visavam permitir que a criança já nascida não sofresse a concorrência de um irmão, o que aumentava a chance de sobrevivência. Era permitido o infanticídio e a chamada exposição da criança, que nada mais era do que dá-la a alguém ou mesmo criá-la como escrava.
Havia dois motivos principais que justificavam essas práticas: que a criança tivesse alguma deficiência ou que o pai não a reconhecesse como seu filho. Os romanos diziam que "a mãe é certa, o pai incerto" e, por isso, cabia ao pai reconhecer o filho como seu.
Mas havia meios mais prosaicos de controlar a gravidez, como o bom e velho "coito interrompido". Segundo fontes antigas, eram as mulheres que controlavam a interrupção (o que mostra que as romanas não eram tão passivas como se pensa).
O objetivo do casamento era ter filhos e filhos que sobrevivessem, daí, em grande parte, a preocupação com que o intervalo entre eles fosse muito pequeno. A mortalidade infantil era muito alta, como em todas as sociedades até tempos muito recentes, pois apenas a medicina moderna permitiu que morressem menos bebês e mães.
A família romana
Era também muito comum que as crianças perdessem a mãe ou o pai muito cedo, já que a perspectiva de vida dos adultos não era também lá muito alta. Isso significa que as crianças dependiam também de outras pessoas, o que contribuía para que o conceito de família fosse diferente do nosso.
A família romana não estava restrita a pais e filhos, mas envolvia outros parentes e até escravos libertos. Quando o pai morria, era sua família que se encarregava de cuidar do menino até os 14 anos e da menina até 12 anos.
Nas classes altas, havia tutores que ensinavam as crianças em grego e latim, de modo que eram, desde pequenas, bilíngues. Alguns dizem que, como as amas da elite eram gregas, os romanos expressavam seus sentimentos em grego, na linguagem que haviam aprendido com as amas. Mesmo entre pobres, era essencial aprender os rudimentos da escrita.
Na escola, usavam tabuinhas de cera e canetas (chamadas stylus) para aprender a calcular (com a dificuldade de fazer isso com os algarismos romanos) e decorar poesias. Ao meio-dia, saíam para almoçar e voltavam à tarde.
Entre as brincadeiras, a mais comum era o par ou ímpar (chamada par ímpar!), jogada com nozes ou pedrinhas. Havia também brinquedos como carrinhos puxados a cavalo, bonecos de animais ou bonecas feitas de osso ou pano.
Era uma outra infância, mas as crianças tinham também suas atividades e brincadeiras. Nas paredes da cidade de Pompeia, soterrada e preservada pela erupção do vulcão Vesúvio, no ano 79, ainda encontramos grafites escritos pelos alunos. Um deles nos diz que "se para você dói decorar Cícero, tomará uma pancada do professor". Outra infância, mas não tão distante de nós.
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