Representação de prostitutas por Henri de Toulouse-Lautrec (1894) - Wikimedia Commons
Curiosidades

Da Bíblia a participação nas produções de Hollywood: a prostituição sempre existiu

A profissão ligada ao sexo continua existindo e se adaptando às transformações da sociedade

Bianca Nunes Publicado em 13/12/2019, às 14h20

A troca de sexo por dinheiro ou mercadoria tem origem nas primeiras civilizações da Mesopotâmia. Tábuas de barro sumérias de 2400 a.C. mostram que a deusa do amor se considerava ligada à prostituição tanto feminina quanto masculina. 

A atividade se espalhou pelo Egito, Índia e Grécia, onde estreou no Ocidente. Segundo historiadores, o comércio sexual se registra mais intenso em épocas de transição evolutiva, quando uma região passa por um rápido aumento populacional, urbano e migratório, como no Império Romano, no Japão de 1700, na Europa de 1800 e, hoje, no Sudeste Asiático. 

Nas civilizações antigas, a prostituição foi apontada como solução para o dilema social criado pela promiscuidade masculina. Na Grécia, já havia bordéis. O legislador Sólon teria sido o primeiro a organizar a prostituição em uma casa pública.

"Muitos duvidam da veracidade dessa informação, mas a história, mesmo que factualmente não verdadeira, sugere que a prostituição era aceitável, visível e tinha ao menos um alto nível de legitimidade em Atenas durante o período clássico", afirma o autor de Prostitution, Sexuality, and the Law in Ancient Rome (Prostituição, sexualidade e a lei na Roma antiga), Thomas McGinn.

A chegada do cristianismo mudou a visão do Estado sobre a atividade, que ganhou contornos de pecado. Mas isso não eliminou os prostíbulos. Na Idade Média, padres bancaram alguns. É dessa época a palavra "prostituta", que, em latim, se refere à exposição da genitália.

No Renascimento, as cortesãs conseguiram liberdades restritas apenas aos meios masculinos. A profissão se desenvolveu paralelamente à evolução das sociedades, acompanhou guerras, pestes e ditaduras. Hoje, a atividade é regulamentada em alguns países.

Antiguidade: Hetairas e lobas

Crédito: Renato Faccini

 

Na Grécia antiga havia três tipos de prostitutas: as dicteriades, geralmente escravas, ocupantes dos bordéis e subordinadas a funcionários de baixa categoria; as auletrides, tocadoras de flauta e dançarinas que não tinham tão severa regulação sobre suas vidas; e as hetairas, prostitutas de luxo com liberdade até para organizar banquetes lésbicos.

Essas últimas eram verdadeiras companheiras e amigas de seus clientes. Para marcar um encontro com uma hetaira, era preciso escrever o pedido com carvão em uma pedra e esperar que sua secretária respondesse o convite. 

Já em Roma, as prostitutas eram chamadas de lobas. Tinham sua existência e posição garantidas por lei, mas pagavam impostos por isso e deviam se vestir de forma específica. Imperadores usavam seus serviços.

Cômodo, por exemplo, manteve um harém de 300 mulheres e 300 adolescentes. Os romanos tratavam a prostituição masculina e a feminina da mesma forma — nos grandes bordéis, eles trabalhavam lado a lado. Aliás, elas levam a fama, mas a atividade nunca foi exclusiva das mulheres.

Idade Média: Bordéis das trevas

Crédito: Renato Faccini

 

O cristianismo colocou alma nas prostitutas e fez de sua profissão um pecado. Até que a religião se tornasse dominante em Roma, uma briga se instalou entre os fiéis e os pagãos.

"Quando os cristãos alcançavam um trunfo, convertendo uma cortesã em piedosa cristã, imediatamente os romanos se vingavam, não somente matando as cristãs piedosas, mas, sobretudo, arrastando-as nuas pela cidade, antes de lançá-las numa casa de prostituição", diz Lujo Basserman no livro História da Prostituição — Uma Interpretação Cultural. 

Algumas convertidas viraram santas, como Maria do Egito, que se prostituiu para pagar por uma viagem à Terra Santa, se converteu por lá e viveu 47 anos como eremita. As prostitutas mais pobres andavam com bêbados que enchiam as cidades europeias.

Na época da dinastia carolíngia (entre 750 e 887), havia nos feudos a "casa de mulheres", local em que as servas eram colocadas para trabalhar. Após os 30 anos, elas eram consideradas velhas demais para o ofício. 

Em 1358, o Conselho de Veneza emitiu um decreto definindo a atividade como "absolutamente indispensável ao mundo". Tomás de Aquino escreveu que a "prostituição nas cidades é o mesmo que os banheiros dos palácios. Tire-os e os palácios serão destruídos pelo fedor e pela putrefação".

Na metade da Idade Média, a maioria das regiões impôs um código de vestimenta para as mulheres que vendiam o corpo. Em Viena, elas deveriam usar xales amarelos. Em Florença, sinos eram pregados em seus gorros e luvas.

Renascimento: sexo inteligente

Nos séculos 16 e 17, as cortesãs dominaram a cena da prostituição na Europa ocidental. Elas não eram mulheres públicas e não estavam disponíveis a todos. Pelo contrário, tinham os preços mais altos.

"Um beijo de Verônica Franco poderia custar a um veneziano seis meses de salário. Poetas, pintores e homens ricos lutavam pelos serviços de Verônica, e a maioria deles era rejeitada", escreveu Nils Ringdal em Love for Sale (Amor à venda). 

Embora os bordéis e banhos públicos continuassem a existir, as cortesãs nunca frequentavam esses lugares. Elas viviam de maneira discreta e seguiam um rígido código de conduta para serem bem-sucedidas.

Conta-se que o famoso cardeal Richelieu ofereceu certa vez 150 mil moedas de ouro para dormir com Ninon de Lenclos. Ela declinou da oferta dizendo que era uma quantia imprópria para se receber de um amante, mas que ao mesmo tempo era pouco para se dormir com alguém que não se amava. 

Algumas capitais tentavam regular a vida urbana e a prostituição. Em Berlim, por exemplo, foi criada na época uma aposentadoria para as mulheres que vendiam o corpo: a Caixa de Salvação para Prostitutas. Não existia cidade de certa importância sem bordel.

O local, construído geralmente com recursos públicos, era arrendado a um administrador que devia recrutar as moças. As prostitutas podiam sair, frequentar tabernas, mas deviam levar os clientes para o bordel.

Século 19: cabarés e coristas

A prostituta do século 19 desenvolveu uma expressão urbana muito característica. Nas novas cidades burguesas — e em seus bordéis —, era comum ver mulheres de salto alto, brincos, colares, meias arrastão e penhoares de tule.

Elas foram eternizadas em romances de Balzac, Baudelaire e Flaubert e nas pinturas impressionistas de Manet e Renoir. Paris floresceu como o grande centro da boemia e prostituição na Europa da Belle Époque. Em 1860, a polícia tinha registro de 6 mil prostitutas na cidade, uma para cada 200 homens entre 15 e 49 anos.

Surgiram bordéis luxuosos, com rigorosa disciplina para as garotas, que muitas vezes se rebelavam. Em 1867, prostitutas francesas puseram fogo num bordel em Parthenay.

Nos Estados Unidos, um bairro de Nova Orleans concentrava afro-americanas cultas, bancadas por seus amantes brancos ricos, num período marcado pelo racismo. Essa parte da cidade tinha um nome sugestivo: Marigny Quarter, o mesmo do irmão da amante de Luís XV, madame de Pompadour.

Século 21: o mundo virtual

O século 20 trouxe mudanças.O comércio sexual teve de se ajustar aos que não se encaixavam ao mercado comum. 

"A prostituição diminuiu, mas não desapareceu. Ao contrário, começou a se especializar e se diferenciar", diz Nils Ringdal em Love for Sale, citando fetiches específicos. Nos anos 1970 e 1980, várias associações de prostitutas se formaram pelo mundo, exigindo a descriminalização da atividade, liberdade de expressão e segurança para o trabalho.

Hoje, a profissão incorporou as características do século, com mulheres sendo contatadas por redes sociais, oferecendo serviços eróticos por telefone ou fazendo strip-tease pela internet — o que não é considerado realmente  prostituição pela maioria das cam girls que prestam o serviço. 

A prostituta verde-amarela 

A prostituição já existia no Brasil na época colonial e foi por muito tempo vista como um "mal necessário" para preservar as "mulheres de família". As escravas negras muitas vezes vendiam o corpo em troca de alforria. A chegada da família real portuguesa, em 1808, trouxe também as cortesãs.

"No fim do século 19, com o surgimento das cidades e a entrada da mulher na vida social urbana, médicos e higienistas passaram a pressionar o Estado para que interferisse e delimitasse as zonas de atuação das prostitutas nas cidades", afirma a historiadora Margareth Rago, autora de Os Prazeres da Noite.


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