Entre solidariedade e resistência, pesquisa presente no romance "Sangue Neon" desnuda histórias invisíveis sobre a doença
Nos anos 1980 e 1990, o medo tinha um nome: AIDS. A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida surgia como uma sentença de morte, enquanto o Brasil — e o mundo — lidavam com o completo desconhecido.
Se você viveu aquela época, talvez se lembre das manchetes alarmantes, das campanhas cheias de tabus e dos olhares de desconfiança. Se não viveu, quem sabe nunca tenha ouvido falar do silêncio que se impôs sobre aqueles que adoeciam — nem da coragem de quem decidiu rompê-lo.
Nos hospitais, leitos inteiros eram isolados, pacientes abandonados pelas famílias, médicos sem respostas. Nos aeroportos, comissários de bordo escondiam os medicamentos proibidos na bagagem. Em festas e bares, mulheres fingiam namoros com amigos gays para protegê-los de um sistema que os condenava antes mesmo da doença.
Foi nessa rede de resistência — clandestina, improvisada, mas movida por amor — que surgiu uma nova forma de enfrentar a epidemia. Enquanto o governo hesitava, pessoas comuns se tornavam heróis. E é nesse cenário que se desenrola 'Sangue Neon', romance histórico do médico e escritor Marcelo Henrique Silva. A seguir, descubra seis fatos pouco conhecidos sobre a trajetória da AIDS no Brasil que você encontra nas páginas do livro:
Nos anos críticos da epidemia, comissários contrabandeavam remédios para HIV dos EUA e França, escondendo frascos nas malas. No Galeão, um "guichê clandestino" fazia a distribuição discreta.
Com a AIDS avançando, muitos gays foram abandonados pelas famílias. Para protegê-los do preconceito, mulheres fingiam ser namoradas em festas, consultas e funerais, garantindo-lhes dignidade e acolhimento.
Nos anos de medo e discriminação, a travesti nordestina Brenda Lee criou o primeiro abrigo para pessoas com HIV no Brasil. Em São Paulo, ofereceu moradia e cuidados a quem foi rejeitado, tornando-se símbolo da luta contra a exclusão.
Em 2007, o Brasil se tornou pioneiro ao quebrar a patente do Efavirenz, um dos principais remédios contra o HIV. Um decreto presidencial permitiu a produção nacional do medicamento sem pagamento de royalties à farmacêutica Merck, o que reduziu os custos e ampliou o acesso ao tratamento.
Em 1982, a médica Valéria Petri identificou o primeiro caso de AIDS no país ao atender um paciente com sarcoma de Kaposi, um câncer raro. Reconhecendo os sinais da doença que já alarmava os EUA, seu diagnóstico foi crucial para alertar a comunidade médica e iniciar o combate à epidemia no país.
Nos primeiros anos da epidemia, a mídia reforçou o preconceito ao chamar a AIDS de "peste gay", alimentando a falsa ideia de que só afetava homossexuais. Esse estigma marginalizou os infectados e dificultou o combate à doença.
Sobre o autor: Marcelo Henrique Silva nasceu em Passos, no interior de Minas Gerais, mas hoje mora em Belo Horizonte. É médico e atuou na linha de frente durante a pandemia de Covid-19. Tem como foco o cuidado de grupos vulneráveis, minorias e pacientes oncológicos. Sangue Neon é seu romance de estreia e vencedor da categoria autor estreante do Prêmio Alta Literatura.