Sarney relembrou nesta sexta-feira, 14, os momentos de tensão que, há 40 anos, marcaram sua posse como presidente interino da República
José Sarney relembrou nesta sexta-feira, 14, os momentos de tensão que marcaram sua posse como presidente interino da República, há 40 anos. O episódio se tornou um marco na redemocratização do país, uma vez que representou o retorno de um civil à presidência após duas décadas de regime militar. O último havia sido João Goulart, deposto pelo golpe de 1964.
Em entrevista ao programa Em Pauta, da GloboNews, Sarney contou detalhes das horas que antecederam o dia 15 de março de 1985, quando, aos 54 anos, assumiu o cargo de vice-presidente, eleito ao lado de Tancredo Neves pelo Colégio Eleitoral. Tancredo, porém, encontrava-se hospitalizado após uma cirurgia e, por isso, Sarney foi chamado às pressas para tomar posse e liderar o governo até a recuperação do presidente eleito, que faleceria 39 dias depois.
Sarney afirmou que a indefinição sobre a saúde de Tancredo gerou um impasse e provocou resistência em setores das Forças Armadas quanto à sua assunção ao cargo. Segundo ele, uma parte dos militares se opôs diretamente à sua posse.
"Os militares estavam divididos. A metade, ou talvez mais ainda [da metade], achava que eu não devia assumir, porque o João Figueiredo [último presidente militar] não compreendera por que eu tinha me afastado dele, mas, na realidade, foi ele que não aceitou as coisas que nós estávamos propondo de fazer uma eleição democrática, uma democracia interna, dentro do partido, para escolher o candidato à Presidência da República", disse ele à fonte.
Na entrevista, Sarney relatou ainda que o ministro do Exército à época, Walter Pires, procurou Leitão de Abreu, ministro da Casa Civil de Figueiredo, para comunicar que não aceitava a posse do maranhense e que buscaria apoio nos comandos militares para interromper a transição.
"Era uma intervenção militar que ele [Walter Pires] partiu para fazer. E o Leitão de Abreu disse a ele que ele não era mais ministro, que tinha sido. Usou de um artifício, disse a ele que o 'Diário Oficial' naquele dia tinha publicado a demissão dele por um equívoco. Evidentemente, o doutor Leitão não podia divergir do João Figueiredo, mas ele sabia, como constitucionalista, que, na realidade, a fórmula constitucional era a minha assunção à presidência da República", declarou.
Sarney também destacou a importância da atuação do Supremo Tribunal Federal e do então presidente da Câmara dos Deputados, Ulysses Guimarães, para garantir a legalidade da transição. Ulysses, segundo ele, liderou a elaboração de atas nas duas Casas legislativas que reforçavam o entendimento de que, na ausência de Tancredo, o vice-presidente deveria assumir.
O ex-presidente, hoje com 94 anos, lembrou também de uma reunião informal de ministros do STF na casa de Cordeiro Guerra, na noite anterior à posse. Na ocasião, a maioria concluiu que ele deveria ocupar a presidência interinamente, com apenas dois ministros discordando.
"Assim, aquela noite [da véspera da posse de Sarney] foi uma noite de grandes perplexidades", afirmou Sarney. "E eu me recolhi à minha casa, e disse que não queria participar das conversas sobre isso, porque eu era uma pessoa que estava no meio do processo e não me sentia bem [em participar]." Ele acabaria por ser o primeiro civil a assumir a Presidência da República após 21 anos de ditadura militar.