Decisão é a primeira condenação da Bélgica por crimes coloniais, marcando um avanço significativo no reconhecimento de seu passado
Uma decisão histórica do tribunal de apelação da Bélgica reconheceu o país como culpado de crimes contra a humanidade devido ao "sequestro sistemático" de crianças mestiças de suas mães africanas no Congo, Ruanda e Burundi durante o período colonial.
A decisão, celebrada como um marco, pode abrir caminho para reparações e justiça para as vítimas.
O caso envolveu cinco mulheres que, entre 1948 e 1953, foram separadas de suas mães congolesas e levadas para viver em instituições religiosas. Elas receberam € 50.000 cada como compensação pelos danos sofridos.
François Milliex, presidente da Associação de Métis da Bélgica, afirmou que o julgamento "abre portas" para outros que buscam reparações pela separação forçada de suas famílias.
Durante o período colonial, a Bélgica considerava os filhos mestiços de mães africanas e pais europeus uma ameaça à supremacia branca. Assim, crianças foram retiradas de suas famílias, muitas vezes enviadas a centenas de quilômetros de distância, para viver em condições precárias.
A separação gerou um impacto duradouro nas vítimas, que ainda buscam respostas e enfrentam desafios relacionados à perda de identidade e aos laços familiares rompidos.
Milliex, que foi transferido para a Bélgica em 1960 aos 14 anos, relatou as dificuldades enfrentadas. Ele e seus irmãos foram enviados para um orfanato, mesmo com seus pais vivos e dispostos a cuidar deles. Após ser destituído de sua nacionalidade belga, ele passou anos lutando para recuperá-la.
Embora o então primeiro-ministro Charles Michel tenha pedido desculpas em 2019 pelo sequestro de crianças e implementado iniciativas para facilitar o acesso a arquivos oficiais, a Bélgica tem resistido a demandas por compensação financeira.
Michèle Hirsch, advogada das cinco mulheres, reconhece que a decisão judicial pode abrir precedentes para reparações, mas acredita que será necessário lutar para alcançar esse objetivo.
Organizações como a ONG African Futures Lab defendem que todas as vítimas da política colonial possam obter nacionalidade belga, além de maior reconhecimento para as mães que perderam seus filhos, muitas delas adolescentes grávidas de homens europeus mais velhos.
O governo belga ainda analisa a decisão judicial e pode recorrer ao tribunal de cassação. Especialistas sugerem que a Bélgica poderia adotar um modelo semelhante ao da Austrália, que aprovou uma lei para compensar vítimas das "gerações roubadas".
Outra possibilidade seria permitir que as vítimas buscassem reparações individualmente, o que seria mais desafiador para aqueles sem documentação.
Para aumentar a conscientização sobre este capítulo histórico, a Associação de Métis da Bélgica está desenvolvendo materiais didáticos para escolas, buscando educar os jovens sobre as injustiças do colonialismo belga.
Apesar disso, a batalha por justiça e reparações continua longe de terminar, com milhares de vítimas buscando respostas e reconciliação com suas histórias pessoais.
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