O Papai Noel, tipicamente europeu, era pouco apropriado à realidade brasileira, considerado antinacionalista pelo Governo Vargas, o bom velhinho foi expulso do país
M. R. Terci Publicado em 10/11/2019, às 08h00
Pouca gente sabe, mas na década de 1930, o bom velhinho foi banido do Brasil.
História difícil de acreditar.Afinal, esse heróico idoso de alvas barbas se esforçava tanto; no Natal de todo santo ano, partia do polo Norte, em seu trenó percorrendo o mundo todo numa noite e distribuindo presentes à todas as crianças que se comportaram bem.
Não bastava, porém, todo esse esforço hercúleo para abrandar a tormenta do movimento integralista que de todos os lados rebentava furiosa.
A chamada Ação Integralista Brasileira, corrente política ultranacionalista que, para muitos, flertava com o fascismo, ganhou partidários e voz entre os folcloristas, poetas e artistas nacionais. Contudo, ampliando suas preocupações para fora do campo político, os intelectuais da época tinham especial preocupação em banir todas as influências estrangeiras que ameaçavam a valorização e a preservação de elementos históricos culturais brasileiros.
Nesse aspecto, o Papai Noel, tipicamente europeu, era pouco apropriado à realidade brasileira. Estrangeirismos à parte, o personagem foi julgado antinacionalista; afinal de contas, aquele sujeito gordo, branquelo, com grossa vestimenta e cercado de renas, pinheiros e neve nada tinha a ver com nossa realidade.
Após 1931, suas características estrangeiras foram ainda mais reforçadas na campanha publicitária da Coca-Cola, que na tentativa de promover o consumo do refrigerante no inverno, contratou um publicitário para recriar o personagem.
Basicamente o personagem foi inspirado na versão do cartunista alemão Thomas Nast, versão essa que conhecemos até os dias de hoje. Mas o aspecto genial da campanha foi a utilização das cores da marca na roupa do personagem.
Fato é que colocaram Papai Noel para fora.
Mas buraco no pano de fundo precisa ser tapado, caso contrário, se acaba a magia, fina-se o espetáculo e toda cenografia não valeu nada. A lacuna precisaria ser preenchida. Talvez reconhecendo isso, os integralistas criaram aquele que deveria ser o substituto perfeito. Seu nome era Vovô Índio, cuja função era a mesma do Papai Noel, entreter as crianças, contando histórias e distribuindo brinquedos desde que a procedência destas e daqueles fosse genuinamente brasileira.
De modo a reforçar o apelo nacional, criaram uma lenda para as origens do Vovô Índio. Filho legítimo de nossa sacramentada democracia racial, o emblemático personagem era filho de um escravo africano com uma índia, no entanto, foi criado por uma família branca e graças a benevolência de seus irmãos ficou livre da condição de escravo.
Assim, os partidários do integralismo viram na figura de um silvícola a possibilidade de substituir o protagonista invasor. Já tínhamos então o personagem, havia a sua lenda, faltava a reputação. A honra do encargo deveria ser sustentada por mil feitos de bravura e coragem, e por atos de abnegação e patriotismo verdadeiramente heroicos.
Mas o presidente do país queria muito mais. Getúlio Vargas achou por bem torna-lo símbolo nacional.
Em dezembro daquele ano, o presidente promoveu uma espécie de espetáculo de estreia do novo herói natalino tropical. Mandou abrir os portões do estádio de São Januário, campo do Vasco da Gama, para receber todo o povo. As arquibancadas ficaram lotadas, na maior parte por imenso número de crianças. Palco armado, plateia no lugar, abre a cortina.
Entra o nosso herói. A figura idosa de cocar, tanga, tacape entra carregando um imenso saco de presentes. As crianças ficaram extremamente assustadas, olhos arregalados, gritaria e choro.
De súbito, alguém ali no meio puxou o coro: “Queremos Papai Noel de volta! Queremos Papai Noel de volta!” Murmúrios no gramado, confusão entre os organizadores, o coro cresceu e cresceu e para tristeza dos integralistas, o fracasso monumental sacramentou a morte do bom silvícola.
Desde então, Papai Noel chega em grande estilo, ora pousando a bordo de um helicóptero no meio de um campo de futebol, ora saltando de paraquedas de um avião, tal soldado de infantaria que invade o coração e conquista o sorriso das crianças.
M.R. Terci é escritor e roteirista; criador de “Imperiais de Gran Abuelo” (2018), romance finalista no Prêmio Cubo de Ouro, que tem como cenário a Guerra Paraguai, e “Bairro da Cripta” (2019), ambientado na Belle Époque brasileira, ambos publicados pela Editora Pandorga.
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