Luigi Benigni, pai do comediante Roberto Benigni, foi enviado para Bergen-Belsen durante a 2ª Guerra; sua história serviu de inspiração para o longa A Vida é Bela
Fabio Previdelli Publicado em 24/06/2023, às 00h00 - Atualizado em 07/12/2023, às 14h22
O comediante italiano Roberto Benigni é uma das maiores estrelas de seu país. Reconhecido internacionalmente por escrever, dirigir e estrelar A Vida é Bela, Benigni ganhou o Oscar de Melhor Longa-Metragem Internacional e Melhor Ator — Roberto é, inclusive, o único a conquistar tal prêmio por uma atuação em língua não-inglesa.
Em 1997, quando A Vida é Bela abriu o festival American Film Institute em Los Angeles, o filme ainda era anunciado como uma comédia. Mas Benigni encarava a produção como uma fábula, uma história de amor entre pai e filho. Afinal, não tem como rir da vida em um campo de concentração.
"Não", concordou, segundo aponta o The Washington Post. "Você não pode rir de graça. Você sofre. Quando você está rindo, você está sofrendo… Este é o cume. Não há nada mais alto do que isso."
Embora rir e chorar sejam a mesma emoção, na verdade", completou.
Mas o misto de emoções transmitido por Roberto Benigni em A Vida é Bela não é fruto do acaso. A narrativa reflete um personagem central em sua vida: seu pai, Luigi Benigni, que durante dois anos foi enviado ao campo de concentração de Bergen-Belsen. Apesar das dificuldades, Luigi sempre lembrava do período de forma descontraída.
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A Vida é Bela se passa durante a Segunda Guerra Mundial, na Itália Fascista, entre 1939 até o final do conflito, em 1945. Na produção, o ítalo-judeu Guido Orefice (Roberto Benigni) tenta esconder seus filhos dos nazistas enquanto tenta ocultar do menino os horrores do Holocausto.
Para isso, Guito conta a Giosué (Giorgio Cantarini), de apenas cinco anos, que a vida deles no campo de concentração nada mais é do que um jogo elaborado. Caso vençam, eles ganham um prêmio: um tanque de guerra. Para isso, não podem perder pontos.
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"Os pontos são perdidos de três maneiras", explica Guido ao menino de olhos arregalados enquanto finge fazer uma tradução às instruções dadas por um oficial nazista. "Um, se você chorar. Dois, se você quiser ver sua mãe. Três, se você estiver com fome e quiser um lanche."
A ideia de se fazer um jogo em um campo de extermínio parece absurda, mas não tão quanto a brutalidade que os oficiais de Hitler foram capazes de causar. Segundo estima a Enciclopédia do Holocausto, do United States Holocaust Memorial Museum (USHMM), cerca de 6 milhões de judeus foram mortos durante a Segunda Guerra.
Também não seria um absurdo pensar que lojas chegaram a exibir placas proibindo a entrada de cães de judeus? Ou, como Giosué teme no filme, que pessoas estivessem sendo transformadas em sabão e botões. "Você caiu nessa?", Guido retruca com uma gargalhada. "Como você pode acreditar em uma coisa dessas?".
O limite entre a tragédia e o que poderia ser visto como mau gosto foi um desafio enorme para Benigni. O ator estava ciente de que a linha conceitual de seu filme era, no mínimo, arriscada. "Muitas pessoas me disseram: você está louco? Você vai perder seu público", disse ao The Washington Post. "Tive medo de que as pessoas não quisessem ver."
Até mesmo sua esposa, Nicoletta Braschi, que estrela o filme como a esposa de Guido, estava cética em relação ao conceito da obra. "Eu disse: é lindo, mas é muito difícil'", recorda. "Eu reconheci que era uma ideia incrível e brilhante, mas achei muito difícil tocar no Holocausto. Muito delicado."
Mas Roberto Benigni estava decidido. Em 1995, em uma conversa com o co-roteirista, Vincenzo Cerami, em um restaurante em Roma, o comediante imaginou como seria colocar seu personagem na situação mais extrema que poderia imaginar: um campo de concentração.
Benigni começou a improvisar um diálogo entre pai e filho, com o pai explicando que eles tinham 'sorte' de estar em um lugar tão 'maravilhoso'; que eles eram 'sortudos' por terem números tatuados em seus braços.
Fiquei muito emocionado com isso", recordou Benigni. "Fiquei emocionado. Adorei a simplicidade da ideia, um pai protegendo o filho. Pude ver uma imagem do filme."
Mas para lapidar a ideia, Roberto Benigni teve cautela. Após estudar o Holocausto, o comediante também consultou líderes judeus italianos, historiadores e especialistas para tratar o tema com o senso geral de precisão.
Embora não fosse judeu, Benigni sempre se interessou pelo Holocausto. Muito disso em virtude de uma figura central em sua vida: seu pai, Luigi Benigni, que passou dois anos em um campo de concentração.
O personagem de Guido Orefice foi baseado no pai de Roberto Benigni, Luigi Benigni, um fazendeiro da Toscana que foi convocado para a Segunda Guerra Mundial para fazer parte do Exército do líder fascista Benito Mussolini; em tropas na Albânia.
Quando a Itália deixou o Eixo, em 13 de outubro de 1943, o pai de Roberto foi feito prisioneiro e enviado para o campo de Bergen-Belsen por dois anos, onde quase morreu de fome. Quando o campo foi liberto, em 15 de abril de 1945, Luigi pesava apenas 40 quilos.
Ele sobreviveu e voltou para casa para contar suas experiências aos seus quatro filho: três filhas e ao caçula Roberto. "Ele costumava nos dizer — não para ser assustador, mas de uma forma leve, contando-nos histórias engraçadas sobre o campo de guerra", disse o comediante ao The Washington Post.
Muito trágico, mas muito engraçado. E quando ele começava a sorrir com isso, parava de ter pesadelos."
Em 1999, em entrevista à People, Roberto Benigni deu mais detalhes sobre a vida com seu pai. O comediante disse que Luigi sempre contava suas tristes histórias a ele usando doses de humor. "Foi a forma como ele aguentou", relatou. "Ele foi capaz de contar a história, unir a tragédia e o drama, com uma risada."
Criado em meio a pobreza, Roberto enfrentou várias dificuldades em sua infância. Mas Luigi sempre ensinou seus filhos a verem o lado bom de cada situação. Certa vez, durante quase um mês, sua família teve que dormir no estábulo de um amigo, separada de um cavalo apenas por uma tábua de madeira.
O pequeno Roberto viu isso como uma aventura. "Havia uma cara de cavalo que víamos à noite olhando para nós do alto", diz ele. "Foi lindo — um pouco como Jesus no estábulo. Foi fantástico dormir lá."
O pai de Roberto trabalhava como fazendeiro, carpinteiro e pedreiro; enquanto sua mãe, Isolina, trabalhava em casa inspecionando tecidos. A casa deles não tinha água e eletricidade. "Em um sentido filosófico", diz Benigni, "a pobreza pode ser muito bonita".
Em 1964, Roberto, então com 12 anos, ainda divida a cama com suas três irmãs quando foi entregue a um padre que se ofereceu para educá-lo e prepará-lo para o sacerdócio.
Mas sua vida mudou após uma enchente destruir o mosteiro. Benigni voltou para as colinas de Toscana. Em sua adolescência, fugiu com um circo itinerante, onde foi parar em Roma. Nos anos 1970, se juntou a uma trupe de teatro de vanguarda.
Com uma carreira já conhecida como comediante e contador de histórias, Roberto Benigni migrou para o cinema em 1977. No final da década de 1980, já era reverenciado como uma das maiores estrelas de seu país.
Em 1991, ele dirigiu e estrelou a comédia Johnny Stecchino, um dos filmes de maior bilheteria da história italiana. Nesse mesmo ano, se casou com Braschi, que conheceu no início dos anos 80, quando ela estudava teatro em Roma.
A consagração com A Vida é Bela mostra que o sucesso do filme não foi por acaso. Sensível e emocionante, a narrativa mostra que é possível ter esperanças até no momento mais sombrio de nossas vidas e que tudo pode se tornar mais fácil com uma dose de bom humor. A vida de Roberto Benigni prova isso!
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