Há 22 anos, o naufrágio de um submarino abalou a Rússia
Ingredi Brunato, sob supervisão de Fabio Previdelli Publicado em 02/07/2022, às 08h00
Vladimir Putin, o presidente atual da Rússia, já está no poder há mais de duas décadas, e, em abril de 2021, assinou uma lei que lhe permitirá competir por mais dois mandatos presidenciais.
O desdobramento permitiu que ele potencialmente alcance até quatro mandatos consecutivos como líder do Kremlin, algo que não era previamente permitido pela constituição russa. Frente a tais acontecimentos, a posição de poder ocupada por Putin parece inabalável.
Em agosto de 2000, todavia, o político enfrentou uma crise que quase colocou sua carreira presidencial em risco após sua resposta a um desastre naval sofrer ampla repercussão negativa, evento relembrado por uma matéria de 2020 do Diário de Notícias.
Em 1994, foi lançado ao mar o famoso Kursk, um submarino lançador de mísseis de cruzeiro que possuía nada menos que 150 metros de comprimento, e rapidamente se tornaria o orgulho da frota naval russa, sendo frequentemente empregado em exercícios militares, em uma demonstração de força destinada a desencorajar ataques de nações adversárias.
Após apenas seis anos de uso, no entanto, a embarcação se tornaria a peça central de uma tragédia. Tudo começou com a explosão acidental de um torpedo que ainda não havia sido lançado para fora do submarino, uma falha de funcionamento que gerou uma explosão ainda maior, envolvendo o restante dos mísseis.
Foi assim que, em uma manhã de sábado dos anos 2000, o Kursk afundou no Mar de Barents, que é parte do Oceano Glacial Ártico, levando consigo sua tripulação de 118 marinheiros, ainda segundo o portal Diário de Notícias.
O primeiro período de Vladimir Putin como presidente da Rússia ocorreu entre 2000 e 2008. O seguinte iniciou-se em 2012, e persiste até os dias atuais.
Quando o mais famoso submarino de suas Forças Armadas naufragou, porém, o político estava no cargo fazia apenas sete meses. O desastre ocorreu enquanto ele estava de férias, e, de maneira controversa, o líder do Kremlin decidiu não interromper seu descanso para vir administrar a situação de perto, algo que atrairia muitas críticas durante os próximos dias.
A acontecimento foi oficialmente informado à população com 48 horas de atraso, na segunda-feira, e o chefe de Estado apenas abordou o acidente com o Kursk depois de quatro dias, em uma declaração feita em suas roupas casuais de férias.
Durante a mensagem, Putin garantiu que a Rússia possuía "os meios de resgate necessários" para lidar com o cenário, porém as palavras presidenciais contradiziam os eventos até ali, que foram caracterizados por uma grande dificuldade por parte do exército para resgatar a tripulação do submarino.
Para começar, quem identificou primeiro a sua explosão foi, na verdade, a Marinha da Noruega, que a detectou em seus sismógrafos. Passaram-se mais nove horas para que a Rússia chegasse à mesma conclusão e começasse a tomar as medidas necessárias.
Essas medidas, todavia, não foram bem-sucedidas: na época, o exército do país era subfinanciado devido a uma crise econômica, de forma que realizaram a operação de resgate com equipamentos obsoletos, o que, somado a uma tempestade em alto-mar, levou a fracassos consecutivos.
Assim, eles se viram obrigados a aceitar a ajuda de equipes internacionais no mesmo dia em que Putin fez sua declaração. Até então, os órgãos militares da Inglaterra, Noruega e Estados Unidos já haviam se oferecido para auxiliar, mas foram recusados. Foi o próprio presidente, em uma ligação, que comandou as Forças Armadas a "aceitar ajuda de onde vier", segundo repercutido pela AFP.
O líder do Kremlin demorou seis dias ao todo para voltar à Moscou, onde fica a sede do governo. Na ocasião, defendeu que as chances de que encontrassem sobreviventes, embora "muito escassas", ainda existiam.
Foram mergulhadores noruegueses, no dia 21 de agosto, que trabalharam durante cerca de 30 horas para abrir uma escotilha da embarcação afundada, os responsáveis por confirmarem a ausência de sobreviventes dentro do Kursk. A conclusão do episódio, dessa forma, veio oito dias após o naufrágio.
Outro detalhe é que, no ano seguinte, a retirada do submarino da água revelaria que ao menos 23 tripulantes sobreviveram às explosões originais, permanecendo vivos até o esgotamento das reservas de oxigênio, o que poderia ter levado desde oito horas até cinco dias.
Após a notícia devastadora das mortes, Putin se encontrou com as famílias das vítimas e estabeleceu uma indenização milionária para compensá-los pelas perdas, também de acordo com a AFP.
Essa ação tardia, todavia, não impediu que o chefe de Estado se tornasse alvo de uma avalanche de críticas por parte da população e dos meios de comunicação tanto por conta do modo como ele, em particular, lidou com a tragédia, como pela maneira como o governo russo como um todo procedeu em relação ao resgate mal-sucedido.
"A catástrofe deveria ser uma prioridade para o Estado, começando pelo presidente", afirmou na época o jornal russo Izvestia, referindo-se à persistência do líder do Kremlin em sua viagem de férias.
Ainda segundo o Diário de Notícias, alguns analistas políticos acreditam que a repressão de Putin à liberdade de imprensa poderia ter se iniciado nesse momento. Na época, por exemplo, foram publicadas fotografias das esposas dos marinheiros mortos gritando com a figura pública, com seu luto e indignação se sobrepondo ao respeito à autoridade presidencial.
Atualmente, os principais veículos jornalísticos estão sob controle do governo russo, e durante a invasão à Ucrânia, que foi iniciada em fevereiro de 2022 e ainda não havia se encerrado até a publicação desta matéria, foram aprovadas leis impedindo a veiculação de informações que contradigam a narrativa oficial a respeito da guerra.
Dessa forma, a crise temporária na trajetória de Vladimir Putin gerada pelo naufrágio do submarino Kursk poderia ter impactos que duram até hoje.
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