Uma ligação que ocorreu na véspera do assassinato deixou muitas dúvidas. Afinal, quem matou a mulher?
Vanessa Centamori Publicado em 30/10/2020, às 16h00
Um crime cuja resolução desafiou especialistas e chocou a imaginação dos mais experientes escritores de mistério, foi o brutal homicídio de Julia Wallace, no dia 20 de janeiro de 1931, em Liverpool, na Inglaterra. Descrito pelo romancista norte-americano, Raymond Chandler, como “o assassinato impossível”, 81 anos depois, o caso ainda continua um enigma.
O principal suspeito, parece ser bem óbvio, mas não é. Trata-se do próprio marido de Julia, o vendedor de seguros William Herbert Wallace. As pistas sobre o crime, porém, são bem confusas. O mistério começou na véspera do incidente fatal, quando Wallace se encontrou com a moça no Clube Central de Xadrez de Liverpool.
Um telefonema enigmático
Um dia antes da morte de Julia, William Wallace se encontrou com seus colegas jogadores de Xadrez na cafeteria City Cafe, em Liverpool. Foi para lá que ele se dirigiu às 7h15 da manhã do dia 19 de janeiro de 1931. O homem era um jogador de xadrez bem medíocre, que só jogava de vez em quando com seus camaradas.
Só que aquele dia não terminaria em xeque-mates contra estratégias fracas. Mas sim, com muito mistério. Para se ter ideia, não deu tempo de William chegar na reunião e ele nem sequer jogou xadrez. O telefone tocou.
O foco de seus colegas no jogo foi interrompido com o barulho da chamada. Quem atendeu foi o capitão do clube de xadrez, Samuel Beattie. No outro lado da linha, falava uma voz forte e áspera, que pedia para falar com William.
Beattie informou que ele não estava, e pediu para o homem misterioso retornar depois a ligação. Mas ele disse que não podia, pois estava na festa de aniversário de sua filha, que comemorava o aniversário de 21 anos.
O único recado deixado pelo enigmático homem do telefone foi que ele tinha uma proposta para William. Ele deveria encontrá-lo no número 25 da Rua Menlove Gardens East, às 19h30 do dia seguinte, para discutir negócios sobre seguros.
William foi informado do recado e também que o homem tinha se identificado como R.M. Qualtrough. Mas ele disse não conhecer ninguém com esse nome, nem sequer onde ficava a Rua Menlove Gardens East.
Mais tarde, a polícia suspeitou que o homem que ligou para o Clube de Xadrez era, na verdade, o próprio William Herbert Wallace. Teria ele mesmo ligado um dia antes da morte de Julia Wallace para culpar um suposto homem misterioso que na verdade não existia? Ou, será que R.M. Qualtrough foi um cúmplice de William? Ou ainda pior: teria o misterioso homem do telefone agido sozinho? muitas questões estão até hoje em aberto.
Uma procura suspeita
No dia seguinte após a misteriosa ligação, William seguiu logo cedo para a Rua Menlove Gardens East, saindo de casa as 7h, minutos antes de sua esposa ser vista recebendo uma entrega de leite.
William entrou em um bonde e fez questão de perguntar aos condutores se eles conheciam a Rua Menlove Gardens East, onde ele queria desembarcar. Ao descer a pé do bonde no endereço errado, na Rua Menlove Gardens West, perguntou para um policial e até para um morador do número 25 daquela rua onde ficava o endereço correto.
Ninguém nunca tinha ouvido falar daquele lugar. Então o homem foi para casa. Já era de noite quando ele falou com seus vizinhos, os membros da família Johnston. Naquele momento, os Johnstons estavam deixando sua residência.
William então perguntou ansioso e nervoso para a Sra.Johnston: “Você não viu algo estranho nessa noite?”. Ela respondeu que não e perguntou qual era o problema. William, por sua vez, contou que havia tentado entrar em casa, mas a porta não abria com sua chave. O mesmo ocorria com a entrada dos fundos.
Então, a Sra.Johnston sugeriu ao vizinho que ele tentasse novamente abrir a porta dos fundos. O dono da casa seguiu para o local, onde conseguiu empurrar a maçaneta. A cena que ele viu a seguir foi horripilante.
Uma visão perturbadora
Ao entrar em sua casa, William acendeu as lâmpadas de alguns quartos, que funcionam a gás. Encontrou o corpo de sua mulher já sem vida e sua cabeça cercada por uma piscina de sangue.
Ele então chamou a família Johnston, que ainda aguardava do lado de fora. Todos viram que o cadáver de Julia Wallace tinha sido espancado fervorosamente e o lado esquerdo de seu cérebro estava aberto e exposto.
A polícia rapidamente foi acionada. Os tiras descobriram que quatro libras britânicas (R$1.843,80 reais, na atual cotação) haviam sido roubadas. Nada além disso havia sido levado, nem mesmo a bolsa da mulher.
A investigação
Uma empregada que foi limpar o local contou à polícia que uma barra de ferro e um utensílio para acender a fogueira haviam desaparecido. Nenhuma outra possível arma do crime foi encontrada.
Wallace foi preso sob a suspeita de que teria matado Julia e foi condenado à forca. Porém, o Tribunal de Apelação Criminal em Londres voltou atrás com a decisão por falta de evidências. Nada era suficiente para incriminar o marido.
Dois anos após escapar da morte, William acabou falecendo naturalmente por problemas crônicos de saúde, em 26 de fevereiro de 1933, sendo enterrado no Cemitério Anfield Cemetery, na cidade de Liverpool, junto à esposa.
Possíveis explicações para o crime
Existem três principais teorias para explicar o misterioso assassinato de Julia Wallace. A primeira seria que William teria a matado. A defesa dele admitiu que o tempo entre a ligação de R.M. Qualtrough e a ida dele até a reunião do Clube de Xadrez permitiria ele forjar a ligação. Só que, igualmente, a defesa contestou que o tempo se encaixava também para que William estivesse longe da cabine de telefone de onde a ligação teria sido feita.
Além disso, segundo amigos dos Wallace, o casal nunca havia apresentado episódios conturbados. Após a morte da mulher, o viúvo havia mostrado grande remorso e os Johnstons jamais tinham ouvido o casal discutir. A polícia também não descobriu nenhum amante que algum deles poderia ter, então o homicídio não podia ter sido provocado por ciúmes.
Uma segunda teoria indica que William Wallace teria contratado um assassino de aluguel, já que contou à polícia que ao voltar pra casa não tinha conversado com ninguém. Ele pode ter escondido o fato de que falou com o assassino.
Mas também existe uma terceira possibilidade que explicaria o crime. Julia foi morta por uma outra pessoa. William chegou a citar alguns suspeitos, entre eles Richard Gordon Parry, que visitou o mesmo Clube de Xadrez que o marido de Julia.
O acusado já estava sendo investigado pela polícia por outro incidente, no mesmo dia que ocorreu o crime. E Richard Gordon Parry tinha um álibi: sua esposa, Lily Lloyd, disse estar com ele aquela noite em que ocorreu o homicídio.
Só que quando Lily Lloyd se separou de Parry, no verão de 1933, a mulher revelou aos advogados de Wallace que o álibi era mera invenção dela para proteger o marido.
Verdade ou não, as evidências que poderiam explicar o assassinato de Julia Wallace não esclarecem o caso. E a questão ainda paira no ar: Afinal, quem a matou?
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