Vítimas dos horrores da Segunda Guerra, o grupo era encarregado do "trabalho sujo" que os agentes da SS não tiveram coragem de realizar
Fabio Previdelli Publicado em 16/07/2020, às 17h39 - Atualizado em 09/06/2023, às 00h07
Sonderkommando é a palavra alemã para "unidade de comando especial" e foi utilizada em muitos contextos diferentes durante a Segunda Guerra. Entretanto, o mais conhecido entre eles é o que remete aos grupos de prisioneiros judeus que eram forçados a desempenhar uma variedade de tarefas nos campos de concentração nazistas.
O grupo era quase incumbido em todos os processos que os judeus sofriam ao chegar nos campos: passando pela triagem dos recém-chegados, que eram instruídos a se despirem e arrumarem suas roupas que seriam confiscadas pelos agentes da SS; até os procedimentos pós-câmara de gás, como revirar corpos mortos, raspar o cabelo e coletar objetos de valor dos cadáveres — como dentes de ouro —, isso sem contar a queima dos restos mortais e o descarte de suas cinzas.
Basicamente, as tarefas dos Sonderkommandos aliviavam os agentes da SS, que não tinham que se preocupar mais com as tarefas perturbadoras associadas ao extermínio em massa, que eram considerados fisicamente exaustivos e psicologicamente destrutivos — já que ficaram proibidos de avisar as vítimas sobre seus trágicos destinos já selados.
Outro ponto a levar em conta é que a “vida útil” desse grupo era curta, sendo que, regularmente, eles eram mortos a tiros, sendo trocados por outros prisioneiros recém-chegados. Afinal, como sabiam mais do que muitos sobre todas as etapas da Solução Final de Hitler, eles não poderiam sobreviver para testemunhar contra os nazistas.
Mas isso não significa que isso não aconteceu. Em entrevista à BBC, Dario Gabbai, agora com 98 anos, relembrou como foi viver sendo um Sonderkommando. "Eu trabalhei no crematório. Levava pessoas [cadáveres] das câmaras de gás para os fornos. É algo que nunca esquecerei. Tive sorte de sobreviver”.
A memória dos Sonderkommandos
Apesar de muitos dos sobreviventes dos campos de concentração narrarem em livros como foram os horrores que passaram nas mãos dos nazistas, por outro lado, muito pouco se ouviu falar sobre essa outra parcela dos judeus.
Mas esse panorama começou a mudar no fim da década 1980, quando o historiador Gideon Greif começou a se aprofundar no tema. "Um dos meus objetivos era melhorar a imagem deles. Quando iniciei a pesquisa, eles eram considerados colaboradores e assassinos. Mas eles eram vítimas, não algozes".
Dada às devidas circunstâncias, era dessa maneira que muitos tinham que agir: como se nada estivesse acontecendo, já que se desobedecessem às ordens, os Sonderkommandos corriam o risco de serem brutalmente punidos. Se um guarda da SS notasse algo de errado, a pessoa responsável poderia ser jogada viva nas covas abertas.
Muitas dessas punições violentas eram realizadas na presença de outros Sonderkommandoss com o simples objetivo de intimidá-los. "Eles estavam em estado de choque constante, pois viam milhares de judeus sendo assassinados todos os dias. Foi um grande desafio permanecer vivo", completa Grief.
Esse sentimento de é corroborado por Gabbai. “Pensei comigo mesmo: como posso sobreviver? Onde está Deus?", questiona ao explicar que só sobreviveu após um polonês o aconselhá-lo a se manter forte. "Eu disse para mim mesmo: sou um robô... feche os olhos e faça o que for necessário sem questionar muito".
A revolta dos Sonderkommandos
Porém, muito se engana quem pensa que eles não foram alvo de resistência. Graças a um trabalhador do grupo, o prisioneiro grego Alberto Errara, quatro fotos de Auschwitz documentando o Sonderkommando em ação sobreviveram à guerra, explica um artigo do Museus do Holocausto dos Estados Unidos.
Essas imagens, contrabandeadas pela resistência polonesa são algumas das poucas fotografias conhecidas por retratar eventos perto das câmaras de gás de Auschwitz-Birkenau. Além do mais, o grupo participou de revoltas armadas, com a que aconteceu, por exemplo, em outubro de 1944, em Auschwitz.
Lá, o crematório IV foi destruído e membros de Sonderkommando do crematório III conseguiram escapar brevemente. Cerca de 250 prisioneiros morreram lutando e outros 200 foram assassinados depois da revolta. Três homens da SS foram mortos, enquanto cerca de dez ficaram feridos.
A vida pós Guerra
Após a Guerra, muitos Sonderkommandos conseguiram enfrentar seus antigos guardas nos tribunais, como foi o caso de Henryk Tauber, que testemunhou contra o comandante da SS Otto Moll. "Em várias ocasiões, Moll jogou pessoas vivas nas covas em chamas", recordou durante o julgamento.
Como consequência, Moll acabou sendo condenado e foi enforcado tempos depois por participar da chamada “marcha da morte”, quando, já no final da Guerra — em janeiro de 1945 —, cerca de 60 mil presos famintos e seminus foram forçados a caminhar por estradas de neve, em uma temperatura que chegava perto dos 20º negativos. Como o próprio nome sugere, muitos acabaram morrendo no meio do trajeto que tinha cerca de 50 quilômetros.
Porém, nem todos tiveram a oportunidade de confrotar seus algozes cara-a-cara, restando-lhes apenas poucos registros. "Não estou triste por morrer, mas estou triste por não ser capaz de me vingar como gostaria", dizia um trecho de um bilhete escrito pelo Sonderkommando grego Marcel Nadjari.
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