Em entrevista, Emilio Ivo Ulrich, escritor de ‘Tortura Não Tem Fim’, contou com detalhes os momentos vividos nos 30 dias de prisão no DOI-CODI
Isabelly de Lima Publicado em 31/03/2024, às 08h00 - Atualizado às 10h00
Em junho de 1969, chegava em São Paulo um verdadeiro lutador. Ao contrário do que muitos podem pensar, não estamos falando de nenhum atleta de boxe ou praticante de artes marciais, mas, de um cidadão que lutou contra a ditadura militar, que se iniciou há 60 anos.
Originário do Rio Grande do Sul, Emilio Ivo Ulrich, atualmente com 76 anos, fez parte da União Gaúcha de Estudantes e sofreu e foi preso inicialmente na Deops/RS graças a sua atuação política no meio estudantil. Ele sofreu perseguição política, incluindo sua família, cuja mãe e irmãos chegaram a apanhar a fim de entregá-lo. Depois, se mudou para São Paulo, se unindo a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).
Emilio foi preso em 20 de novembro de 1970 pela OBAN (Operação Bandeirante), após ser entregue por um de seus companheiros da VPR, que também foi torturado até entregar o parceiro. Ele foi levado para o DOI-CODI para poder entregar Yoshitane Fujimori, o comandante da Vanguarda em São Paulo.
Entretanto, sua passagem pelo DOI-CODI não foi nada fácil. Torturado e muito machucado pelos oficiais, Ivo retratou sua passagem pelo tenebroso lugar no livro ‘Tortura Não Tem Fim’. Em entrevista ao site Aventuras na História, Emilio relembrou o sofrimento que passou durante os 30 dias num dos principais centros de tortura da ditadura militar de 1964.
De acordo com Emilio, quando chegou ao DOI-CODI, a situação já era caótica, principalmente porque os militares queriam somente uma coisa: Saber onde estava Fujimori.
"Quando eu cheguei ao DOI-CODI, eu já fui despido ali no pátio, levado pelas escadarias [...] e passei a ser interrogado pelo capitão Benoni Albernaz e um agente da Polícia Federal apelidado de Carioca”, disse ele. “Eles não perguntaram nem meu nome, só tinham uma pergunta. Não ligavam para que eu era e o que fiz, eles queriam Yoshitane Fujimori”.
Ele também comenta sobre como o DOI-CODI era um conhecido centro de tortura: "Todo mundo sabia que ali [DOI-CODI] era um centro de tortura. A ditadura não escondia isso de ninguém". E foi exatamente naquele local, localizado na Rua Tutóia, que Ivo sofreu os piores dias de sua vida.
A primeira coisa que aconteceu foi o 'telefone' [...] me batiam no ouvido e aquilo já me deixou tonto", relembrou. "Imediatamente colocaram aquelas máquinas de choque no meu dedo e na minha orelha”.
"Você começa negando, porque se chega e fala algo, aí piora, porque você sabe de alguma coisa", afirmou o sobrevivente. "Aí as torturas se sucederam, noite e dia”, continuou. "À medida que eu não falava, mais eu era torturado. Tinha vezes que eu era torturado até 3 vezes por dia (..) Fisicamente já não tinham mais o que fazer comigo, quebraram braço, quebraram dedo, me bateram muito. Eles não me mataram porque queriam o Fujimor"
Ivo destacou que durante os 30 dias que ficou preso no centro de tortura, não somente seu físico clamava socorro, já que em certo momento, chegou a se sentir humilhado, o que, para ele, foi ainda pior.
"Não era só tortura física, era mental também. Perguntam para mim 'qual foi a pior tortura que você sofreu?', claro, eu passei por pau de arara, cadeira do dragão [que era metálica e recebia cargas de choque], palmatória, surras intermináveis, mas o que realmente me perturbou é que teve um dia que os torturadores me mandaram ficar em pé da cadeira de dragão e me levaram até o chuveiro e me deram um banho frio, para que eu me recuperasse".
Me mandaram parar de pé e como eu não conseguia, caí de bruço [de quatro], o carcereiro descobriu um jeito de me fazer me locomover. [...] Eles tinham uma coleira de cachorro. Colocaram essa coleira no meu pescoço e amarraram uma cordinha. Atravessaram todo o corredor me levando puxado dessa forma, como um cachorro, me chutando a bunda. E eu fui.”, completou .
O sobrevivente ainda comentou que os torturadores faziam piada com a situação, dizendo que se “dessem um osso, ele iria”. Ser comparado a um cachorro, por não ter poder sobre seu próprio estado de saúde e presença, para ele foi algo muito deprimente. “Não é doloroso, é, acima de tudo, humilhante”.
Emilio relata que quando saiu do DOI-CODI, não conseguia fala a respeito do acontecido. “Quando eu saí da cadeia, eu não tinha condições emocionais para falar de tortura. Comecei a escrever poesias, tenho cerca de mil, mil e quinhentas poesias falando de tortura”.
O escritor tinha planos de publicar essas poesias, mas após ver algumas declarações do ex-presidente Jair Bolsonaro negando a ditadura, ele viu a necessidade de contar aquilo que viveu. Confira a entrevista completa com Ivo abaixo.
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