Apesar do acontecimento ter sido tão impetuoso quanto o praticado na Segunda Guerra, os membros das tribos africanas jamais tiveram a oportunidade de desfrutarem de uma reparação histórica
Fabio Previdelli Publicado em 19/05/2020, às 17h00 - Atualizado às 19h00
Localizado no sudoeste africano, a Shark Island, ou Ilha dos Tubarões, é um imenso local deserto, como se fosse um espaço de terra aquém do resto do mundo. Lá, as rochas que compõem a ilha são desgastadas apenas pelas ondas do Atlântico e as sombras das palmeiras são a única proteção contra o intenso sol africano.
Apesar de aparente calmaria, essa região já foi muito mais sombria que sua atual geografia. Isso porque, de 1904 até 1908, mais de 80% do povo Hereró, da Namíbia, e 50% dos Namaquas foram executados por forças alemãs em uma onda de extermínios realizados em campos de concentração, como aqueles que eram comuns durante a Segunda Guerra.
A brutalidade era tamanha que o local ficou conhecido como Ilha da Morte e era o destino final para muitos membros das duas tribos que eram punidas por sua oposição ao colonialismo alemão de suas terras.
O que acontecia lá, era só um breve sintoma das práticas que se tornariam comuns feitas pelos Europeus contra os povos negros da África. Apesar de não ter ficado tão notório quanto os crimes de Leopoldo II no Congo, as mortes na Shak Island foram tão brutais quanto.
O genocídio na Namíbia
Entre o final do século 19 e início do século 20, algo estava varrendo a África: eram as potências europeias que cada vez mais estavam sedentas por mais recursos e poder, assim, invadiram o continente impiedosamente.
França, Grã-Bretanha, Portugal, Itália, Bélgica e Alemanha dividiram a África e a reconstituíram para servir a seus próprios fins. A luta pela África representou o fim da autogovernança para quase um quinto da massa terrestre do mundo, com os europeus governando mais de 90% do continente em 1900.
Na década de 1880, a Alemanha reivindicou uma seção sudoeste da África, hoje conhecida como Namíbia, com uma massa terrestre mais do que o dobro do tamanho da Alemanha. Eles tomaram o território com força brutal, confiscando terras, envenenando poços de água e roubando gado.
Continuamente sujeita a violência sexual e física sistemática por colonos, uma tribo local chamada Hereró se rebelou em 1904, mais tarde, o grupo teve apoio dos namaquas. Pouco tempo depois, veio a resposta alemã, que causou a morte de cerca de 100 mil pessoas pertencentes a essas tribos — sendo que metade das quais pereceram em campos de extermínio.
Quando as rebeliões começaram, o governador da colônia alemã, major Theodor Leutwein, estava ansioso para chegar a um acordo com os rebeldes. Entretanto, o Estado-Maior de Berlim viu o conflito como uma oportunidade: por que não construir a infraestrutura dessa pequena ilha enquanto simultaneamente se livra das tribos que se rebelam contra eles?
Porém, as forças militares de Leutwein foram forçadas pelos rebeldes a recuar, em 13 de abril de 1904. Como consequência o major foi dispensado do comando e substituído pelo general Lothar von Trotha, que instaurou a seguinte ordem: "O povo dos Hererós tem que deixar o país ... Dentro das fronteiras alemãs, todos os Hererós, com ou sem rifle, com ou sem gado, serão baleados".
O chefe do Hereró, Samuel Maharero, disse explicitamente a seus soldados para não atingirem mulheres ou crianças alemãs. Em contraponto, von Trotha prometeu que, se suas forças alemãs encontrassem mulheres e crianças Hereró ou Namaquas, elas receberiam ordens para serem levadas de volta ao povo ou mortas. Segundo o general, "uma guerra humana não pode ser travada contra aqueles que não são humanos”.
A dura vida na Shark Island
O trabalho duro foi uma marca registrada contra os povos encarcerados. Sob o quente sol africano, os trabalhadores passavam fome, pois eram alimentados principalmente com arroz cru e farinha. Além do mais, os prisioneiros eram obrigados a içarem os corpos caídos de colegas, geralmente parentes, e cavar suas sepulturas.
Os maus-tratos eram um fardo que muitos não conseguiam carregar. Quando caiam, os prisioneiros eram torturados, muitas vezes com chicotes de couro, às vezes sendo alvos de tiros aleatórios. No final, independente da forma de crueldade, eles eram uma única coisa: refém em suas próprias terras que tinham como destino final a morte. Durante esse período, um missionário na ilha registrou até 18 mortes por noite.
Muito do que ocorreu na Namíbia foi uma espécie de fase teste dos horrores que se perpetuaria no Holocausto: como práticas violentas que visavam reforçar a falsa crença de superioridade ariana; experimentos brutais — como a injeção de seringas com varíola e tuberculose — contra os prisioneiros; e a colonização baseada na teoria de que os europeus puritanos precisavam da terra e dos recursos mais do que as pessoas que eram seus verdadeiros donos.
Entretanto, ao contrário do que viveram os judeus, os negros africanos jamais tiveram a oportunidade de desfrutarem de uma reparação histórica. "Vivemos em reservas superlotadas e superpovoadas, como campos de concentração modernos, enquanto nossas áreas de pastagem férteis são ocupadas pelos descendentes dos autores do genocídio contra nossos ancestrais", disse a ativista namibiana Veraa Katuuo.
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