A antiga prática ceifou a vida de milhares de cristãos e pagãos
Carlo Cauti Publicado em 24/05/2020, às 07h30
A obscuridade é total. Densa. Penetrante. Cortada somente por tochas que iluminam pequenos cantos. O ar é pesado. Um cheiro adocicado insuportável que provoca náuseas.
O corredor é estreito. Minúsculo. Menor do que a abertura de dois braços. Mas é alto. Tremendamente alto. Quatro metros, talvez mais. Uma altura que agrava a sensação de impotência que agride o visitante. E, do chão até o teto, tumbas. Tumbas uma em cima da outra. Covas escavadas na rocha viva.
Sepulturas que abrigam os restos mortais de quem recusou as tradições mortuárias pagãs e aguarda, quase dormindo, a ressurreição e a vida eterna. Bem-vindo às catacumbas de São Calixto, em Roma.
Um gigantesco cemitério subterrâneo que em 20 quilômetros de extensão e quatro níveis de profundidade abrigava milhares de corpos de cristãos mortos entre o século 2 e 4 d.C. Um dos lugares que melhor explicam as complexas relações entre o cristianismo e o paganismo durante os últimos séculos do Império Romano.
Quando se pensa nas relações entre a Roma antiga e a religião cristã, surgem na mente duas imagens, diferentes e dramáticas: a primeira é a das terríveis execuções em massa realizadas nos anfiteatros romanos por imperadores cruéis e violentos contra milhares de mártires. A segunda é a da vitória triunfante dos cristãos, que a partir do reinado do Imperador Constantino (306-337 d.C.) puderam professar livremente sua religião.
Não se sabe até hoje com certeza por que os romanos, tradicionalmente tolerantes com as divindades e as práticas religiosas dos povos conquistados, acabaram desenvolvendo um preconceito tão forte e um ódio tão profundo em relação aos cristãos, chegando a considerá-los a causa de todas as desgraças que se abateram sobre o Império e, por isso, perseguindo-os até a morte.
A história das perseguições e do confronto entre a religião cristã e o paganismo no Império Romano começa com a morte de Jesus, por volta do ano 33, e vai até o Édito de Milão, do Imperador Constantino, em 313, que legitimou o Cristianismo.
“O que se pensa hoje é que foram três séculos de opressão implacável e perseguição sistemática e ininterrupta dos cristãos por parte dos romanos, mas cada imperador atuou de forma própria com os cristãos. Alguns foram mais cruéis, outros mais tolerantes. Todos, porém, orientaram suas escolhas de forma a obter a maior vantagem política possível, quase nunca foram motivados por razões religiosas”, explica Maria Lupi, professora de História do Cristianismo da Universidade de Roma Tre.
As perseguições
As primeiras perseguições foram episódios esporádicos, em pontos distintos do Império e executadas por magistrados locais, sem um envolvimento ou uma coordenação direta de Roma. Eram massacres, expropriações de propriedades, destruição de locais de culto, ou simplesmente a proibição da prática das liturgias cristãs.
“Cada governador, cada magistrado, tinha ampla autonomia sobre a forma de aplicar medidas repressivas, o que dependia de fatores como a situação da província na época. Se ela estava sofrendo carestias ou epidemias, a população tinha que encontrar um bode expiatório, e os cristãos eram perfeitos para esse papel”, explica o professor Potestà.
No ano 64, houve a primeira grande perseguição contra os cristãos, ordenada pelo imperador Nero. Provavelmente foi a perseguição historicamente mais conhecida, que provocou vítimas famosas, como os apóstolos Pedro e Paulo.
Os cristãos foram acusados de incendiar Roma, que ficou devastada pelo fogo. Ao associar os cristãos ao terrível incêndio, Nero exacerbou as hostilidades contra eles por todo o Império Romano e inaugurou o período das execuções espetaculares, o que incluía crucificação e uso de leões e outras feras selvagens para devorar os insurgentes.
Após esse cruento episódio, a situação voltou a relativa calma. Medidas hostis contra os cristãos foram tomadas sob o reinado dos imperadores Domiciano (81-96 d.C.) e Trajano (98-117 d.C.), que se opunham à nova religião porque acreditavam que eles ofereciam perigo para a estabilidade do Império.
Domiciano, na década de 80 d.C., deu a primeira base jurídica para as perseguições, declarando o Cristianismo religio illicita, ou seja, religião ilegal e portanto proibida. Mas por cerca de 200 anos não foram registradas grandes perseguições contra os cristãos.
Os tempos ficaram piores com a crise que o Império enfrentou no século 3 e com a chegada do imperador Décio (249-251 d.C.). Naquele momento Roma enfrentou muitos problemas, graves crises econômicas e pressão dos bárbaros nas fronteiras do Império.
“Era necessário achar uma forma de reagregação da população romana, inclusive nos ideais, para fazer frente comum contra os inimigos e as ameaças.” Era preciso um símbolo. E o imperador achou que a religião tradicional, o paganismo, seria o melhor instrumento para alcançar o objetivo.
“Décio se apresentou como um restaurador dos costumes antigos e das virtudes tradicionais de Roma. E propagandeou esse retorno ao passado glorioso como a única forma para poder enfrentar e ganhar os mortais desafios do presente”, diz Emanuela Prinzivalli, professora de História do Cristianismo na Universidade de Roma La Sapienza.
O Édito de Décio, de 250, ordenou que todos os cidadãos do Império fizessem um sacrifício público para os deuses, chamado supplicatio, e que fizessem oferendas, assim receberiam o libellum, certificado que atestava o sacrifício.
Os cristãos, claro, se recusaram, e então eram facilmente identificados e perseguidos. Foram massacrados das formas mais cruéis. “Essa foi a primeira verdadeira perseguição geral, porque atingiu todos os membros da comunidade cristã, dos chefes aos mais humildes, em todos os cantos do Império, não somente em Roma”, afirma a professora Lupi.
A perseguição de Décio foi seguida pela do imperador Valeriano (253-260 d.C.), que foi particularmente dura contra os chefes das comunidades, sequestrando os bens dos cristãos para tentar amenizar a situação catastrófica das finanças públicas romanas.
O objetivo de Valeriano era desestruturar de vez o cristianismo, com a destruição das igrejas, a entrega e a destruição dos livros sagrados e a morte de muitos bispos e sacerdotes.
Os políticos romanos pensavam que eliminando os chefes das comunidades cristãs os fiéis acabariam se dispersando, mas naquele momento a comunidade cristã já era suficientemente estruturada para aguentar uma violência dessa magnitude.
O imperador Galiano (253-268 d.C.), filho de Décio, imediatamente após a morte do pai emitiu um édito de tolerância que garantiria 40 anos de tranquilidade aos cristãos. Diocleciano (284-305 d.C.), ao contrário, provocou a Grande Perseguição, entre 303 e 311, que acabou sendo a última, maior e mais sangrenta perseguição oficial do cristianismo a ser implementada pelo Império.
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