Registro da missão Apollo 11 - Wikimedia Commons
Espaço

Urina, fezes e vômito: os sacos de excrementos que foram deixados no espaço

96 bolsas contendo esses dejetos insólitos foram deixadas na Lua durante as seis missões tripuladas da NASA

Giovanna de Matteo Publicado em 22/09/2020, às 11h00

A NASA pretende voltar à órbita lunar a partir de 2024, através do Programa Artemis. Uma das pesquisas principais do programa é voltar para o espaço para recuperar artefatos deixados por lá durante as missões Apollo.

Sabe-se que, além de deixarem pegadas na superfície, os astronautas também fizeram suas necessidades na Lua, e agora, cerca de 50 anos depois, eles deverão voltar para buscar 96 sacos de excrementos, com o objetivo de descobrir se algo ainda está vivo nos dejetos. 

As fezes humanas são compostas de quase 50% de bactérias, resultando num espaço de ecossistema explorável, podendo existir ali milhares de espécies de micróbios intestinais. Esse lixo humano deixado na Lua durante todo esse tempo pode ser útil para descobrir o quão invulnerável é a vida no espaço lunar, e essa foi a proposta de deixar sacos de excrementos no local.

O Programa Apollo da NASA direcionou seis missões tripuladas bem sucedidas para a Lua, onde um total de 12 pessoas puderam caminhar sobre sua superfície. Uma de suas preocupações foi o fato de precisarem arranjar um jeito para que os astronautas pudessem aliviar suas necessidades fisiológicas.

A solução veio em dois projetos: primeiro foi feito o desenvolvimento de uma sacola plástica que se acoplava nas nádegas dos exploradores enquanto estavam dentro das naves espaciais, que conseguia capturar as fezes sem que ela entrasse em contato com o ambiente.

Já em situações onde eles estavam em órbita, livres no espaço, a empresa americana desenvolveu uma "vestimenta de máxima absorção para contenção fecal", como uma espécie de fralda para adultos, e parece que foi desse jeito que eles deixaram sacos com resíduos humanos ali.

Foto tirada por Neil Armstrong mostra um saco branco que pode ser uma das "bolsas de cocô" / NASA / Divulgação

 

O cientista Charlie Duke, da Apollo 16, missão ocorrida no ano de 1972, confirmou que deixou resíduos para trás e ainda deu sua justificativa, dizendo que ele e sua tripulação acreditavam que o lixo desapareceria pela ação da radiação solar.

As chances de que algum micróbio ou bactéria ainda esteja nos sacos de excrementos é pequena. Diversas razões dificultam essa esperança da ciência: primeiro por que a Lua não possui campo magnético contra a radiação cósmica, não existe camada de ozônio para absorver os raios solares, e o vácuo lunar impõe improbabilidades para a vida.

Além disso, a Lua também apresenta intensas mudanças de temperatura, que podem variar entre 100 graus Celsius de dia e -173 ºC à noite. A falta de umidade também é um fator importante, já que as bactérias não conseguem se replicar nessas condições, por isso as bolsas com os excrementos deveriam permanecer úmidas durante todos esses anos, os sacos teriam que estar intactos até hoje.

O astronauta Harrison Schmitt, missão Apollo 17, no solo lunar / Wikimedia Commons

 

Andrew Schuerger, cientista de vida espacial da Universidade da Flórida e coautor de um artigo sobre micróbios sobreviventes na Lua, afirma que há uma "pequena probabilidade" de que alguma bactéria tenha sobrevivido. Margaret Race, bióloga do Instituto SETI, também concorda com a possibilidade, "os micróbios não precisam ter muita proteção", disse, "Nós ainda não temos uma definição de vida que diga 'nunca pode ir além dessa temperatura, além dessa salinidade, além desse nível ácido'. Toda vez que olhamos lugares [na Terra], encontramos a vida",

No entanto, a visão do cientista da NASA Mark Lupisella, nos dá esperança. Ele afirma que mesmo que os sacos de resíduos deixados pelos astronautas não tenha sido suficiente para deixar as bactérias ali vivas, o estudo segue válido, pois a ciência ainda pode usar as evidências mortas para descobrir quanto tempo os micróbios conseguiram viver na Lua, se eles evoluíram ou se adaptaram ao ambiente, além da possibilidade de ressuscitar alguns deles.

"A vida simples pode se espalhar pelo cosmos ou precisa esperar bilhões de anos até que existam espécies tecnológicas para espalhá-la? Essa é apenas uma de muitas questões científicas importantes que tentaremos responder quando voltarmos à Lua", disse o cientista planetário Phil Metzger.


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