Todo mundo fala, mas ninguém tem uma definição muito objetiva
Marcelo Testoni e Fabio Marton Publicado em 06/08/2019, às 05h00
Nem que tenha sido só para posar de intelectual, todo mundo um dia usou a palavra. O tal pós-modernismo é solto a torto e a direito para falar de cineastas, escritores, arquitetura, moda, ideias, eventos. Ou da era em que vivemos. Tem até quem fale em pós-pós-modernismo.
A missão de dar uma definição objetiva para um movimento que se presta a desconfiar da objetividade não é fácil. O pós-modernismo não só é vago como está se construindo enquanto você lê estas linhas.
O moderno no passado
Primeiro, entendamos o que é modernismo. O movimento que foi do final do século 19 até a primeira metade do século 20. Ser moderno era acreditar no progresso humano, seja por revoluções que derrubariam o modo de vida estabelecido, seja pelo mero avanço tecnológico. O mundo — e o futuro — pareciam sob controle.
Vieram então diversos choques: a física quântica, fazendo a ciência parecer menos absoluta e certeira do que se acreditava; os horrores do nazismo, abalando a crença na própria capacidade de progresso do ser humano; o movimento pelos direitos civis e a contracultura, mostrando o que o normal, o modo de vida da maioria, era cercado de iniquidades; e as armas nucleares (hoje a mudança climática), pondo em xeque o próprio futuro humano. E a denúncia dos crimes de Stalin pelo premiê soviético Nikita Krushchov, em 1956, fazendo com que muitos perdessem a fé no comunismo.
“O que se seguiu foi o aparecimento em larga escala de sentimentos e pensamentos negativos, como angústia, ansiedade e medo relacionados à falta de adequação ao novo mundo”, analisa Paulo Araújo, doutor em filosofia política e étican pela Unicamp.
Perda de fé no progresso
Em 1979, o pensador francês Jean-François Lyotard lançou o livro A Condição Pós-Moderna, no qual afirma que o pós-modernismo é resultado da perda de fé no progresso, assim como na busca pelos ideais iluministas de igualdade, liberdade e fraternidade. “As pessoas estariam soltas para pensar e recriar tudo a partir do zero, sem se preocupar com o passado ou com o capitalismo”, comenta Araújo.
Já discutido na década de 1960, o pós-modernismo só ganhou força com a queda do Muro de Berlim e da União Soviética. Intelectuais do mundo ocidental se viram forçados a responder à pergunta: e agora?
Se no modernismo o foco era a coletividade – o futuro socialista ou o apego às tradições nacionais contra o capitalismo global –, no pósmodernismo, grupos menores dentro da sociedade passam a ser o foco central. Não os proletários em geral, mas os negros, as mulheres, os gays. Identidades e movimentos que não são unificados e, às vezes, entram em conflito.
Não existe mais um ponto de apoio, um único referencial central ou caminho a seguir. Referenciais se chocam, vindos de diferentes áreas, e passam a se entrosar. As ideias não aparecem como absolutas, mas peças de uma teia de significados costurada por cada um.
Ironia e tributo
No pós-modernismo, nada é mais hierárquico. A rua, não as passarelas, dita a moda. Grandes emissoras e veículos de comunicação não dizem mais o que é válido – ou que é ou não verdade. Na arquitetura, qualquer estilo é válido, e a decoração, um palavrão para os modernistas, voltou à voga.
Em plena construção, o movimento não busca a destruição do passado, e sim o reaproveitamento dele, de forma criativa, irônica ou não. Às vezes fantasiando-se de passado. Peguemos um exemplo bem popular: Quentin Tarantino.
Em Kill Bill, o cineasta não tenta criar uma história verossímil, mas um pastiche, um filme de artes marciais que busca ser como as produções baratas de Hong Kong dos anos 1970, sem ser uma delas. O que eram defeitos de uma produção estritamente comercial, descartável, se tornam atrativos quando reexpostos.
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