Afegãos em Cabul recentemente - Getty Images
Afeganistão

O impacto da queda de Cabul

Ao tombar, a capital Cabul acabou com o sonho da humanidade em ver florescer um regime livre e aberto, capaz de integrar as diversas forças que compõe a sociedade afegã

Márcio Coimbra Publicado em 18/08/2021, às 13h02

Nascida nos escombros do 11 de Setembro, existia a vã esperança de que as forças de segurança conseguissem ao longo de duas décadas, iniciar uma abertura e sedimentar os alicerces de uma democracia. Infelizmente nada funcionou.

Dentre todas as antigas províncias persas, o Afeganistão é aquela com identidade mais confusa, pois em seu território dividem-se uzbeques, hazaras, tajiques e pashtuns e outras minorias étnicas.

Isto significa que não estamos falando de um país com maioria definida, como outros da Ásia Central, como Cazaquistão, Uzbequistão, Quirguistão, Tajiquistão ou Paquistão. No Afeganistão o xadrez étnico é o primeiro passo para entender a situação perigosa que reina na região.

Cidadãos em busca de refúgio no Afeganistão /Getty Images

 

Isto explica em parte o problema da estabilidade do país, um fenômeno que mergulhou o Afeganistão no período obscuro de presença Talibã, que ao abrigar a Al-Qaeda, serviu de base para os atentados em 11 de setembro de 2001.

Retirar o Talibã do poder foi fácil, entretanto, criar as bases para fincar os alicerces de um regime democrático na região mostrou-se uma tarefa muito mais difícil, seja com apoio militar da Otan ou mesmo com a assistência das agências das Nações Unidas.

A retirada das tropas ocidentais, especialmente as norte-americanas, já era algo discutido há anos. Uma promessa de diversos governos que se concretizou durante a administração Trump, que negociou a saída do país em um acordo de paz assinado em Doha, Catar, em fevereiro de 2020.

Multidão no aeroporto de Cabul vista do espaço /Imagem de satélite 2021/Maxar Technologies

 

Estava incluída ali a retirada de todas as tropas dos Estados Unidos e da Otan, conversações entre Talibã e o governo afegão e um compromisso de impedir a Al-Qaeda de operar em áreas sob o seu controle.

Diante das evidências, vemos que Trump cometeu um imenso erro e Biden concretizou o equívoco. Apesar da opinião pública desejar o fim da presença militar na região, a confusa saída dos Estados Unidos resulta no erro em lidar com o Talibã e acreditar que haveria conversações e acordo entre eles e o governo afegão.

Na medida que o Talibã percebeu o país vulnerável, agiu de forma rápida e praticamente sem qualquer resistência voltou ao poder 20 anos depois. Não há por que acreditar que eles tenham mudado sua filosofia radical nestas duas décadas. Por isso, a apreensão.

Agora deve haver a proclamação da ditadura teocrática totalitária do Emirado Islâmico do Afeganistão, sepultando os ganhos democráticos e todas as liberdades conquistadas nos últimos 20 anos, um brutal golpe para a maioria do povo, agora refém de uma ética medieval que reinará no país.

Impossível impedir o sentimento de abandono e desalento de toda uma nação. As tentativas desesperadas de deixar o país mostram o tamanho da agonia daqueles que acreditaram que tudo havia mudado.

A queda de Cabul, da forma como vimos, terá impactos brutais no jogo de poder global. Do lado do Talibã, acerto de contas e eclipse de Direitos Humanos. No tabuleiro geopolítico, um reposicionamento de China e Rússia. Uma mudança que pode movimentar de forma sensível os pilares de estabilidade internacional. O mundo agora precisa lidar com esta nova e triste realidade.


Márcio Coimbra é Presidente da Fundação Liberdade Econômica. Ex-Diretor da Apex-Brasil e do Senado Federal. Coordenador da pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília. Cientista Político, mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos (2007), Espanha.

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