Déspota esteve a frente da Líbia por mais de 40 anos, era um seguidor do pan-arabismo e teve seu governo marcado por casos de violência e nepotismo. Sua captura e morte, em 2011, ainda hoje, geram polêmicas. Quem matou Kadafi?
Fabio Previdelli Publicado em 21/10/2020, às 10h58
Em 1969, Muammar Kadafi chegou ao poder na Líbia após uma revolução nacionalista, que invadiu a cidade de Trípoli e obrigou o rei Idris I a renunciar. Com a patente de coronel, Kadafi começou uma série de mudanças no país, que foram desde a proibição de bebidas alcóolicas e jogos de azar, até a expulsão de americanos e ingleses de bases militares no país.
Seguidor do pan-arabismo, pretendia retomar a autonomia econômica da Líbia. Copiando a Constituição egípcia, emulou seu lema nacional em: “Liberdade, socialismo e unidade”. Porém, apesar das promessas, o que se viu foi um líder extravagante e nepotista comandando um governo violento e demagógico.
Por mais de 40 anos no poder, logo se mostrou uma figura excêntrica e perigosa, o que ajudou a explicar o controverso episódio que culminou com sua morte em outubro de 2011. Internamente à Líbia, claro, era controverso por ser um déspota que comandava um exército sangrento e se utilizava do poder para enriquecer ilicitamente.
Marcado por um pensamento anti-americano e anti-europeu, assumiu uma ideologia que visava a autonomia africana em um sistema anticapitalista, que também era contrário ao autoritarismo soviético. No poder, fomentou políticas de acesso à moradia, nacionalizou o petróleo líbio, aproximou o país do bloco islâmico e fundou comitês populares.
Perigo para a OTAN
Tudo isso fez com que o ditador entrasse no radar da OTAN, que o enxergava como uma ameaça pela criação de seu projeto econômico que visava criar uma moeda africana lastreada no ouro, e não no dólar ou no franco.
E-mails divulgados por Sidney Blumenthal para a Secretaria do Estado de Hillary Clinton comprovaram isso: “Esse ouro foi acumulado antes da atual rebelião e foi projetado para ser usado para estabelecer uma moeda pan-africana baseada no dinar de ouro da Líbia. Este plano foi projetado para fornecer aos países africanos francófonos uma alternativa ao franco francês (CFA).”
Esses e-mails expõem claramente os cinco motivos da França e dos EUA terem derrubado Kadafi, e nada tem a ver com o bem-estar da população da Líbia: obter petróleo do país, garantir a influência francesa na região, aumentar a reputação de Sarkozy no mercado interno, afirmar o poder militar francês e impedir a influência de Kadafi no que é considerada África francófona.
Fora a OTAN, sua ditadura também não era bem vista dentro de seu próprio país, já que a população já havia cansado de casos de nepotismo e corrupção dentro do governo, que estabeleceu leis que favoreciam todos seus partidários e oprimiam todos seus opositores.
A caçada a Kadafi
Kadafi deposto após a Guerra Civil Líbia, em 2011. Fora do poder, se refugiou no último recanto de apoiadores de sua liderança: a cidade de Sirte. Onde viveu seus momentos finais fazendo mudanças de esconderijo em casas abandonadas a cada três ou quatro dias.
Em 20 de outubro, um comboio com mais de 40 veículos se formou na cidade, eles tinham como objetivo fugir até a aldeia de Jaref, para que ele passasse seus últimos momentos no local onde nasceu. Porém, por volta das 8 horas da manhã, aviões da OTAN atacaram os veículos com um bombardeio, que chegaram a atingir e debilitar Kadafi.
Durante um segundo bombardeio, ele se refugiou em um tubo de drenagem da cidade, onde foi atingido por estilhaços nas costas e perdeu a consciência. A partir daí, a última vez em que se viu o déspota, ele já estava morto. No entanto, as circunstâncias causam controvérsias ainda hoje.
Explicações
A versão oficial divulgada pelo primeiro ministro, Mahmoud Jibril, diz que o ditador estava bem de saúde até o momento de sua captura. Porém, ao ser colocado em um caminhão pick-up, uma troca de tiros entre forças do novo regime e apoiadores de Kadafi resultou em uma bala perdida que o acertou na cabeça. Essa versão foi confirmada por Omran al-Oweib, comandante da brigada que o capturou.
No entanto, vídeos feitos com celulares mostrariam que Kadafi, e seu filho Mutassim, estavam vivos quando foram capturados. Todavia, eles acabaram sendo encontrados pela população que teria iniciado um linchamento coletivo: o déspota teria levado socos, chutes, sido lançado ao chão e até levado tiros.
Já a mídia internacional levantou a hipótese de que sua morte tenha a participação de forças estrangeiras. Em um discurso sobre as eleições parlamentares em seu país, o então primeiro-ministro russo Vladimir Putin afirmou, sem apresentar provas, que Kadafi havia sido morto por uma ação realizada por aviões americanos não-tripulados.
Outras fontes de países da África do Norte, no entanto, disseram que o ditador foi assassinado por um agente do serviço secreto francês que agia sob ordens de Nicolas Sarkozy.
O que se sabe, ao certo, é que cerca de um ano depois, o Human Rights Watch publicou um relatório com as seguintes conclusões: antes de ser capturado, Kadafi foi ferido por estilhaços de uma granada de mão, que matou seu ministro da defesa Abu-Bakr Yunis Jabr; já preso, sofreu uma perfuração no traseiro por uma baioneta, o que causou uma grande hemorragia, o que pode ser a causa de sua morte; e depois de morto, foi atingido com uma bala em sua cabeça. O médico responsável por sua necropsia teria sido ameaçado de morte para não divulgar suas descobertas. Assim, os resultados foram destruídos.
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