Imagem meramente ilustrativa do Livro dos Espíritos - Divulgação/Pixabay
Religião

Mesas flutuantes em uma Paris mórbida: o universo por trás do Livro dos Espíritos

Escrita por Allan Kardec, a obra responde e explica centenas de questões existenciais que deram início ao Espiritismo

Pamela Malva Publicado em 18/04/2020, às 08h00

Em plena Paris da década de 1850, a família Boudin tinha um costume bastante singular. Todas as terças-feiras, religiosamente, os integrantes se reuniam em uma mesa na sala de visitas e davam início a um ritual sobrenatural.

Julie e Caroline, as duas filhas da Senhora Boudin, eram indiscutivelmente médiuns e suas capacidades de captação impressionavam a qualquer um. Muito por isso, as sessões da família eram amplamente conhecidas nas ruas parisienses.

Enquanto a revolução industrial avançava com força na Europa e novas descobertas científicas eram publicadas todos os dias, Paris vivia um fascínio pelo sobrenatural. Por isso, naquela época, sessões com mesas flutuantes eram bastante comuns.

Foi exatamente por tais rituais místicos que o professor de ciências Hippolyte Léon Denizard Rivail se interessou. Curioso e em busca de respostas, ele visitou dezenas de sessões com mesas flutuantes por toda Paris.

Sessão espirita conduzida por John Beattie, na Inglaterra, em 1872 / Crédito: Wikimedia Commons

 

Desafiando a gravidade

Durante grande parte da Era Vitoriana, europeus e, em maior expressão, parisienses tinham diversos interesses mórbidos por todo tipo de assunto sobrenatural. Um dos preferidos, como é de se imaginar, eram rituais semelhantes aos da família Boudin.

Assim, era bastante comum ver que, em casas de burgueses e aristocratas, dezenas de pessoas se reuniam em torno de uma mesa, a fim de girar o móvel apenas com a força do pensamento. E, em grande parte das vezes, as tentativas eram bem sucedidas.

Certa noite, em maio de 1855, Rivail compareceu à uma sessão na casa da Senhora Plainemaison. Foi nessa reunião que o cientista se deparou com um mundo sobrenatural inegável e não teve como evitar: começou a documentar suas experiências.

Impressionado com as manifestações de supostos espíritos, Rivail passou a enxergar os rituais como um experimento científico. Segundo ele, as mesas giravam e batiam no chão “em condições que não deixam margem a qualquer dúvida”.

Hippolyte Léon Denizard Rivail, o famoso Allan Kardec / Crédito: Wikimedia Commons

 

O convite de uma vida

Quase um ano depois de sua primeira visita às sessões dos Plainemaison, Rivail recebeu uma mensagem inusitada e, ao mesmo tempo, assustadora. Em abril de 1856, um espírito teria o instruído a reunir e publicar os ensinamentos aprendidos nas mesas.

Dessa forma, aceitando seu destino como o escolhido, Rivail passou a frequentar todas as sessões semanais da família Baudin. Por dias, ele assistiu e conversou com os espíritos psicografados por Julie e Caroline, de 14 e 16 anos, respectivamente.

Para organizar seus pensamentos, o professor de ciências decidiu criar 501 perguntas boas o suficiente para explicar todo um universo sobrenatural. Frente às respostas, ele organizou e traduziu os conhecimentos em um único livro.

Com todas as teorias e respostas em mãos, a obra estava pronta. Como não pensava ser o autor do texto, Rivail decidiu dar ao livro um título autoexplicativo. Foi criado, assim, O livro dos Espíritos.

Uma das primeiras edições do Livro dos Espíritos / Crédito: Wikimedia Commons

O começo de tudo

O título estava decidido, mas alguém ainda precisava assiná-lo. Para isso, Rivail pediu a opinião das entidades. Em uma das sessões, um espírito lhe atribuiu o nome Allan Kardec — nomemclatura que o professor teve em uma vida passada, quando viveu como um sacerdote druida.

Publicado pela primeira vez em abril de 1857, o Livro dos Espíritos explicava o universo sobrenatural de uma forma nunca antes vista. Assim, sob o novo pseudônimo, Allan Kardec tornou-se o pai de uma nova religião: o Espiritismo.

Composto pelas doutrinas e visões de mundo espíritas, o Livro dos Espíritos viajou por todo o mundo e gerou diversas polêmicas. Allan começou a receber ligações de Padres, cientistas e céticos.

Ele, então, entendeu que sua obra ainda não estava terminada. Muitas questões ainda exigiam explicações. Assim, com a ajuda da médium Ruth Japhet — que psicografava mensagens durante o sono — ele revisou o documento.

Ainda mais extensa e explicativa, a segunda edição do Livro dos Espíritos nasceu, trazendo respostas para 1.019 perguntas existenciais sobre a vida e o sobrenatural. Mais uma vez, Allan Kardec abriu as portas de uma nova religião e tentou trazer ao mundo dos homens todo e cada detalhe do Espiritismo.


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