O local firmou-se como uma das maiores incógnitas da arqueologia local já que, até agora, ninguém conseguiu cravar no porquê de tantos esqueletos
Isabela Barreiros, sob supervisão de Thiago Lincolins Publicado em 30/07/2021, às 07h53
Entre 1986 e 1994, a cidade portuária de Ascalão, em Israel, foi cenário de um projeto de escavações que revelou a descoberta mais importante da região. No que hoje é conhecido como Parque Nacional de Ascalão, cientistas descobriram túmulos de cães que chegavam às centenas e, impressionantemente, aos milhares.
Liderada pelo arqueólogo Lawrence Stager, a Expedição Leon Levy a Ashkelon revelou o cemitério, mas não conseguiu entender o porquê de tantos cachorros terem sido enterrados no local. E não foram só os pioneiros que não puderam descobrir os segredos do cemitério: até hoje, o cemitério é cercado de mistérios.
O arqueólogo Daniel Master do Wheaton College em Illinois participou das escavações que encontraram os restos mortais na década de 1990, enquanto ainda era apenas um estudante. Ele explicou à revista ISRAEL21c que, no começo, os pesquisadores pensavam que seria apenas uma curiosidade.
Mas, quando passaram a desenterrar dezenas, perceberam que haviam encontrado algo ali. “Quando encontramos centenas, percebemos que era um fenômeno. Foi uma parte fundamental da vida em Ascalão”, explicou Master.
O resultado das escavações, que continuaram ao longo dos anos, foi a identificação de mais de 1.400 esqueletos de cães espalhados pelo sítio arqueológico. São tantas sepulturas que os arqueólogos não tiveram nem com o que comparar tamanha descoberta; o maior cemitério até então contava com apenas 30 túmulos.
Antes de ser a cidade israelense de Ascalão, a região fazia parte do Império Persa entre os séculos 5 e 4 a.C., e tornou-se um centro movimentado do comércio internacional. Com o tempo, o local também foi habitado pelos fenícios.
“Nessa época, quando se trata de uma cidade fenícia que faz parte do Império Persa, há uma coisa estranha que acontece em Ashkelon”, diz Master. “Temos cães que estão enterrados em cada espaço aberto, cada pátio, cada rua, cada campo. Acabamos de encontrar muitos deles”.
Além do professor do Wheaton College, a zooarqueóloga Deirdre Fulton da Baylor University, no Texas, também começou a estudar os ossos dos cachorros em 2007, durante seu doutorado. Mas mesmo com mais cientistas, ainda não foi possível determinar o motivo pelo qual os animais foram enterrados ali.
Como explicou a pesquisadora, “não é frequente vermos escavações arqueológicas antigas com animais”. “Não há nenhuma evidência clara de que os cães foram mortos. Eles parecem ter morrido naturalmente com base no perfil de mortalidade — dois terços deles são filhotes, um terço adultos”, ressaltou.
Daniel Master realizou inúmeras análises nos esqueletos dos cães e conseguiu chegar a algumas conclusões importantes. Primeiro, ele afirma que se tratavam de cachorros de rua. “Não parece que eram animais de estimação, porque você não teria tantos cachorros morrendo”, opinou.
“A segunda coisa que notamos, não havia evidências de que eles foram cuidados particularmente em vida. Não há evidências de que eles foram alimentados em vida de uma maneira especial. Nunca descobrimos que foram enterrados com algum acessório, o que mostra que quem faz o enterro se preocupava com o animal”, explicou.
Outra hipótese descartada é a de que os animais foram vítimas de uma doença que os acometeu na época. Segundo o pesquisador, “se fosse uma doença, poderíamos esperar que um bando de cães morresse de uma vez”. “Não era uma situação em que você tinha uma vala comum. Parece que o mais importante é que eles foram enterrados assim que morreram. Ainda não temos certeza do por que”, apontou.
Quando um cachorro morria, um fosso era aberto e o animal era enterrado com as cabeças colocadas sob os rabos, como se estivessem dormindo; e isso não foi visto apenas em um enterro, era quase um padrão. Por isso Fulton observa que houve uma “associação” entre os humanos e os cães, visto que eles foram enterrados próximos às ocupações.
“Eu acho realmente interessante quando vemos as interações entre humanos e animais nessa escala, quando você tem 1.400 cães enterrados em uma cidade ou pequena cidade. Isso mostra que eles estão realmente interagindo de uma forma que não é apenas por comida, mas algo mais”, afirma a pesquisadora.
Além dos esqueletos, nada foi encontrado. Como ressalta a arqueóloga, descobrir textos ou inscrições antigas é a melhor evidência para que práticas possam ser entendidas, o que não aconteceu no cemitério de cachorros em Ascalão. O que permanece até agora são os mistérios — e as pesquisas que os acompanham.
“É um pouco misterioso porque os asquelônios nos períodos persa e helenístico começaram a enterrar os cães. Pode ser que sejam apenas cães que vagueiam pela aldeia, ou cães domésticos ou cães de guarda. Eu realmente gostaria que tivéssemos uma resposta para isso”, concluiu Fulton.
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