Atuantes desde a noite da explosão, homens e mulheres fizeram de tudo para amenizar as consequências da tragédia
Fabio Previdelli Publicado em 28/02/2021, às 08h00 - Atualizado em 26/04/2022, às 09h56
Já era noite naquele 26 de abril de 1986 quando o reator 4 da usina de Chernobyl explodiu. A catástrofe espalhou uma infinidade de partículas radioativas na atmosfera. O mundo estava diante da maior catástrofe nuclear de sua história.
Os números sobre as vítimas, ainda hoje, causam grande polêmica, apesar disso, sabe-se que a magnitude da tragédia poderia ter sido bem maior se não fossem as 600.000 pessoas deslocadas para minimizar as consequências do desastre. Conheça a história dos “Liquidadores”.
Após a explosão, o fogo no reator só foi contido cerca de 10 dias depois, em 4 de maio. Porém, engana-se quem pensa que não foi por falta de esforço, já que desde a noite da tragédia, os liquidadores — como ficaram conhecidos homens e mulheres que foram deslocados para evitar que a tragédia fosse muito maior — já trabalhavam por lá.
"Bombeiros, mineiros, limpadores, operários. E cientistas como eu", relembra a química Elena Kozlova em entrevista ao El País. Elena, no entanto, só foi deslocada para lá cerca de um mês e meio depois, quando os olhos do mundo já estavam virados para a Ucrânia.
Até àquela altura, muitos dos homens e mulheres, que atuavam como liquidadores, não sabiam o risco que estavam correndo, o que ocasionou a morte de centenas por consequências de doenças relacionadas à radiação.
Muitos, inclusive, faleceram sem antes mesmo serem condecorados com a honraria de heróis da pátria, com a qual parte de seus serviços foi paga.
Kozlova, com 42 anos na época, no entanto, sabia muito bem o que enfrentaria. “No início de maio, a situação estava um pouco mais clara. E como cientistas, entendíamos o que estava acontecendo. Tínhamos um plano e uma meta: fechar o reator envolvido para evitar que a radiação se espalhasse para o mundo inteiro e limpar os arredores. O espírito era muito patriótico entre nós”, explicou ao veículo.
A cientista revela que os turnos de trabalho eram organizados de acordo com a exposição à radiação. A linha de frente dos liquidadores tinha como 'missão' varrer todos os resquícios do acidente para dentro do reator, que virou um tipo de lata de lixo nuclear.
Esse grupo, como se pode imaginar, recebeu altas doses de radiação. Outros ficaram com a incumbência de construírem uma colossal estrutura de concreto e aço, a fim de conter o vazamento. Essa construção ficou conhecida como "sarcófago de Chernobyl".
A equipe de Kozlova, por sua vez, atuava oito horas por dia, sendo separada em três turnos, inclusive os noturnos, que varavam a noite. O tempo não poderia ser desperdiçado. Logo, "inventaram" uma espécie de cola que serviria para solidificar os destroços e impedir o vazamento da poeira. Posteriormente, os dejetos seriam enterrados.
Elena trabalhou coordenando outras 15 pessoas. Sua tarefa, conforme explicou, era preparar a cola. Além disso, lembra que não podia se aproximar muito da zona de perigo. Ainda assim, em um mês, recebeu uma dose de radiação de 10 Roentgen.
Suas habitações ficavam a cerca de 90 quilômetros da usina, na cidade de Ivankovo. “Não havia ruídos. Nem crianças. Nada”, recorda. Ela ainda lembra que, quando retornava, tinha que se submeter a uma análise de radiação. “Trocávamos a roupa de trabalho todos os dias. A usada era enterrada”.
Após seu trabalho ser concluído, recorda que, quando voltou para casa, recebeu 3.000 rublos por seus serviços, o que era dez vezes mais que seu salário normal. “Foi impactante”.
Entretanto, em maio do ano seguinte, voltou à central, depois de dois guindastes serem descolados para ajudar na remoção dos destroços. Porém, em seu retorno a Moscou, passou a apresentar problemas de saúde. “Primeiro mais leves, de pressão, problemas cardíacos”, conta.
Foi no ano de 1995 que recebeu a invalidez total. Passado todos esses anos, dedicou sua vida a escrever livros sobre a tragédia de Chernobyl e a saga de outros profissionais que também se arriscaram naquele momento decisivo — a maioria, infelizmente, já sem vida.
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