Vencedor do prêmio de melhor filme estrangeiro, 'Argentina, 1985' remonta a julgamento pela sangrenta ditadura militar argentina; confira!
Éric Moreira, sob supervisão de Thiago Lincolins Publicado em 11/01/2023, às 12h32 - Atualizado em 12/03/2023, às 12h27
'Argentina, 1985' é um filme argentino, que recentemente trouxe outra vitória para nossos 'hermanos', desde a Copa do Mundo. Isso porque ele conquistou o prêmio de Melhor Filme Estrangeirono Globo de Ouro, ao retratar toda a trama em torno do julgamento de militares acusados de cometer horrores durante a ditadura militar argentina. O filme disputa o Oscar de melhor filme internacional neste domingo, 12.
De acordo com a sinopse, a produção retrata "a história verídica dos promotores públicos Julio Strassera e Luis Moreno Ocampo que ousaram investigar e processar a ditadura militar mais sangrenta da Argentina em 1985". O filme foi dirigido por Santiago Mitre e distribuído pela Amazon Prime Video.
Sabendo um pouco do que é contado em 'Argentina, 1985', confira a seguir a história real que inspirou a produção vencedora do Globo de Ouro:
No século passado, não somente a história do Brasil foi manchada com os horrores de um governo ditatorial militar, mas o movimento também se alastrou em outros países da América Latina. Entre as mais violentas, se destaca a ditadura militar argentina, que teve seu início em 1966, durando sete anos, que terminaria em 1973 com a volta do peronismo ao poder.
Ao longo dos anos de ditadura enfrentada pelo país, conflitos políticos e sociais foram a causa da fuga de diversas pessoas da Argentina, que pretendiam fugir de toda a violência — que era de conhecimento dos civis — e temiam pelas suas famílias. Um dos regimes ditatoriais mais violentos da América Latina, acredita-se que mais de 30 mil pessoas foram vitimadas pelos militares no período.
Moreno Ocampo, advogado argentino que atuou como o primeiro Procurador-Chefe da Corte Penal Internacional, esteve envolvido no famoso julgamento realizado em abril de 1985, já depois do fim da ditadura.
Como lembrado pela BBC, a audiência realizada envolvia nove líderes das três primeiras juntas militares que governaram o país após o golpe de Estado de 1976, por crimes que iam desde homicídio e tortura até privação ilegítima de liberdade.
Porém, antes de o julgamento ter sido realmente realizado — vale mencionar que teve início em abril de 1985 —, e até mesmo durante, diversos depoimentos foram ouvidos pela Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas (Conadep), criada Raúl Alfonsín e que o levou à presidência, que davam sempre maior peso ao processo jurídico.
Todos os dias era como se um prédio tivesse caído em cima de você. Você saía de lá meio destruído, não havia risadas, não havia nada. Em um velório, por exemplo, se conta uma piada, ali não havia chance de piada alguma. Tudo o que foi dito era tomado pelo que era... terrível", descreveu o jornalista Marcelo Pichel, que cobria os depoimentos na época, à BBC.
Apesar de incontáveis depoimentos serem feitos no período do julgamento, dia após dia, Miriam Lewin — mulher que foi sequestrada pelos militares aos 19 anos e passou por dois centros de detenção clandestinos — lembrou, na época, que muitas outras pessoas não contavam suas histórias por temeres represálias e perseguições, visto que a Justiça não lhes oferecia "segurança", nem "nenhum tipo de custódia". E então o Ministério Público argentino começou a agir mais intensamente, sendo o foco principal de 'Argentina, 1985'.
O promotor principal do órgão era Julio César Strassera, tendo como vice Luis Moreno Ocampo, apoiados por um grupo muito particular na causa: jovens.
Era uma equipe de jovens, porque eu tinha 32 anos, mas na equipe de assistentes, o mais velho tinha 27 e os outros 20, 21 anos. Sete rapazes, dos quais dois eram advogados. Ainda hoje quando nos reunimos, nos perguntamos como fizemos isso", lembra Ocampo à BBC.
Depois de meses ouvindo depoimentos dia após dia, vieram outros meses de argumentação da promotoria e dos advogados de defesa dos réus. E foi nesse período que Strassera — falecido em 2015 — deu seu discurso final, que teve também destaque no filme.
"Eu tinha o general Videla a um metro e meio de distância e [Emilio] Massera a três metros, então foi um momento único porque senti que estávamos falando em nome da sociedade argentina e poderíamos dizer na cara dessas pessoas o que haviam feito", descreve Ocampo.
E depois Julio, que realmente se transformava no tribunal, , encerrou sua argumentação de uma forma que foi maravilhosa e que emocionou a todos, quando ele disse: 'Senhores juízes, nunca mais', o tribunal vibrava, e as pessoas choravam. Foi incrível."
Por fim, em dezembro de 1985, Jorge Rafael Videla Redondo e Emilio Eduardo Massera foram condenados à prisão perpétua; Orlando Agosti, a quatro anos e seis meses de prisão; Roberto Viola, a 17 anos; e Armando Lambruschini, oito anos; além deles, Omar Graffigna, Fortunato Galtieri, Jorge Anaya e Basilio Lami Dozo foram absolvidos — posteriormente, alguns dos condenados receberam indultos, e alguns absolvidos foram condenados, por violações de direitos humanos.
Para Santiago Mitre, diretor de 'Argentina, 1985', é possível observar no país sul-americano — além de em outras partes do mundo — muitos jovens que reproduzem discursos reacionários e que, muitas vezes, quase reivindicam por novos governos ditatoriais. "Eles não se lembram, não só do julgamento, como mal se lembram da ditadura, e acham que é algo pré-histórico", disse à BBC News Mundo.
A imagem de Strassera com sua equipe de jovens, a forma como organizou a investigação tendo que recorrer aos jovens porque a maioria dos oficiais da Justiça não acreditava ou não queria o julgamento por apatia ou por medo ou por adscrição em algum caso, me pareceu muito inspiradora, principalmente considerando que esse filme tinha que falar com esses jovens que lembram pouco da ditadura", acrescenta.
Já o jornalista Marcelo Pichel, por fim, ainda pontua que "o filme pode ajudar, mas não basta, o fundamental é a educação."
Há uma batalha cultural que está se perdendo com o tempo. A sociedade não consegue responder. A Alemanha continua falando de nazismo nas escolas. E acredito que aqui a educação deve explicar o que aconteceu durante a ditadura porque é a única maneira de não repetir", avalia.
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