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Brasil

Tortura e morte: os porões da ditadura brasileira

Nos tenebrosos locais, a morte virava acidente de trabalho

Alessandro Meiguins Publicado em 01/01/2020, às 09h00

Contra a Pátria não há Direitos, informava uma placa pendurada no saguão dos elevadores do prédio da Polícia Civil em São Paulo. Era o tempo da Tigrada, policiais e militares com ordem e permissão para matar, muitos sob o comando de Sérgio Paranhos Fleury.

O delegado era violento. Começava estapeando, depois torturava e, se perdia a paciência, atirava mais de uma vez. Filho de legista, Fleury cresceu em delegacias. Estava na polícia desde os 17 anos. Fazia parte de uma unidade particularmente agressiva, a Delegacia de Roubos, quando foi recrutado pelo regime militar, em junho de 1969.

O delegado viria a ser a peça-chave da Operação Bandeirante, a Oban. A missão era estratégica: criar um organismo que reunisse elementos das Forças Armadas, da polícia estadual e da Polícia Federal, para o trabalho específico de combate à subversão.

Na prática, o núcleo reuniu os elementos mais radicais, corruptos e violentos dessas organizações. Fleury e sua trajetória são um retrato acabado do que se passou nos porões da ditadura brasileira. Contra o terror, investiu-se no horror.

A repressão não nasceu com o AI-5, mas foi com ele que viveu seu auge. Houve torturas e mortes desde os primeiros anos de governo militar. O Departamento de Ordem Política e Social (Dops), subordinado ao governo estadual, existia desde os anos 20. O Serviço Nacional de Informações foi criado em 1964.

A Polícia do Exército torturou logo após o golpe. As manifestações de 1968 foram reprimidas com dureza. Só que o AI-5 foi entendido como licença para matar e, de fato, quem matou em nome do combate à subversão não foi incomodado nos anos seguintes.

Dizer que a máquina repressiva se organizou após 1968 é uma imprecisão por conta disso. E também porque a desorganização era o fundamento da lógica da repressão. O capitão torturador passava por cima do major, o delegado trabalhava contra o governador.

Nesse sentido, a repressão subvertia a ordem mais do que os guerrilheiros. Isso não quer dizer que não houvesse cadeias de comando, mas que os porões criaram sua própria hierarquia – clandestina, com ramificações nos altos escalões e, no mínimo, sua conivência.

Fleury, por exemplo, teve plenos poderes ao chefiar a Oban. Quando se instalara no Dops, já levara com ele todo seu Esquadrão da Morte, um grupo de policiais envolvidos em esquemas de corrupção, proteção a traficantes, desvio de contrabandos. Um deles, conhecido como Fininho, carregava no chaveiro, como amuleto, a língua de um dedo-duro que metralhou.

“Os comandantes militares sabiam que tinham colocado um delinquente na engrenagem policial do regime”, diz Elio Gaspari no livro A Ditadura Escancarada, referindo-se a Sérgio Paranhos Fleury.

Por dentro dos porões.

Captura

Crédito: Wikimedia Commons

 

Ao descobrir a localização de um suspeito, a polícia o prendia no esconderijo ou na rua. mas houve gente que foi solta legalmente para depois sumir ilegalmente.


Laudo falso

Médicos compactuavam com as torturas, forjando autópsias para vítimas que haviam morrido ou mantendo o preso em condições de falar durante os interrigatórios.


Maus-tratos na cela

Choques elétricos e o pau-de-arara foram dois dos métodos mais usados pelos torturadores, que, quando agiam em delegacias, usavam os gritos das vítimas para aterrorizar os demais prisioneiros.


Grampeado

Agentes montavam dossiês sobre suspeitos, acompanhando suas atividades e conversas telefônicas por meio de escuta ilegal. Todas as Forças tinham setor de informações.


Desova

Quando ocorria um acidente de trabalho, como a morte de um preso, eram montadas falsas versões de tiroteio, cenas de suicídio ou o corpo era enterrado como indigente.


Aula de tortura

Nos quartéis, houve casos isolados de aulas de tortura, ministradas por oficiais diante de plateias de dezenas de militares. Os presos eram tirados das celas e supliciados ao vivo para ajudar nas explicações.


Métodos radicais

Espancamentos, palmatória e afogamentos também foram técnicas usadas nos maus-tratos. Contra mulheres, houve estupros individuais e coletivos. Um preso teve a boca presa ao escapamento .


Medalha

Militares e civis ganhavam medalha por serviços prestados à repressão. Fleury ganhou a sua. O nome parecia ironia: Ordem do Pacificador.

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