Em discurso de cinco horas, o premiê soviético acabou com uma era e rachou o comunismo mundial
Letícia Yazbek Publicado em 08/08/2019, às 10h00
Em 25 de fevereiro de 1956, o primeiro-secretário Nikita Khrushchev surpreendeu os delegados do 20º Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS). Em um discurso de cinco horas, feito a portas fechadas, Khrushchev responsabilizou Josef Stálin de ter praticado uma política sistemática de tortura e execução de seus opositores no partido, atacando a intolerância, a brutalidade e o abuso de poder do sucessor de Lênin e seu antecessor no cargo.
Isso aconteceu três anos após a morte de Stálin, em 1953, lamentada pela grande maioria dos cidadãos soviéticos, que viam o líder como um pai divino. Khrushchev chocou a população ao declarar que Stálin erstava muito mais para o outro lado.
Segundo Khrushchev, os opositores que conseguiam escapar dos fuzilamentos eram condenados a trabalhos forçados degradantes. Muitos “comunistas honestos e inocentes” foram julgados com base em confissões obtidas sob tortura.
O primeiro-secretário, que fez parte da equipe de Stálin durante décadas, também relatou a cruel deportação de povos inteiros do território soviético e condenou a "presunçosa imprudência" de Stálin durante a Segunda Guerra Mundial, que teria redundado na invasão da Rússia por tropas da Alemanha nazista.
O discurso secreto de Khrushchev logo foi descoberto, divulgado e publicado integralmente pela imprensa ocidental. Nada mais seria igual: isso deu início ao processo conhecido como desestalinização da União Soviética.
O país continuaria a ser uma ditadura de partido único, mas imediatamente foram libertados 81 mil presos de campos de trabalhos forçados e milhares de presos políticos. Escolas e a imprensa resgataram a memória dos líderes e militantes executados, que antes eram apagados de fotos e livros e não podiam nem ser mencionados.
Isso gerou um racha no comunismo mundial. Khrushchev foi acusado de traidor pelos fieis ao velho líder, e as relações com a China, cujo líder, Mao Zedong, era amigo pessoal de Stálin, azedaram. Os dois países se tornaram concorrentes na visão de como chegar ao almejado comunismo e nunca se reconciliaram.
Foi uma verdadeira Guerra Fria entre comunistas, com a coisa chegando às vias de fato em 1975, quando o Vietnã pró-soviético invadiu o Camboja de Pol-Pot, apoiado pela China. Essa China antissoviética terminaria, ainda no mandato de Mao, por se aproximar do Ocidente, culminando no sistema econômico atual.
Nos dias de hoje, a Rússia, sob o regime conservador, nacionalista e religioso de Vladimir Putin, parece estar em vias de apagar o legado de Khrushchev e reabilitar a imagem de Stálin. O segundo pior assassino em massa do século 20 (atrás do próprio Mao, empatando com Hitler) pode rir por último.
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