Ele foi o primeiro filósofo a falar em vida no espaço e exoplanetas. Mas não se engane: Giordano Bruno não tinha nada de cientista
Fabio Marton Publicado em 18/08/2019, às 10h00
Em 1600, o ex-frei dominicano, filósofo e poeta Giordano Bruno foi queimado vivo em Roma. Defendia que, como Copérnico havia escrito antes dele nascer, e continuava a ser tabu defender, a Terra era um planeta e gira em torno do Sol.
ão só isso, como uma ideia sua e incrivelmente ousada: o Sol era apenas uma estrela, e, como ele, todas as estrelas tinham sistemas planetários. Como a Terra, esses planetas deviam abrigar vida inteligente.
Afirmou que a matéria é composta de átomos — uma ideia da Grécia Antiga, mas então muito contestada. E disse que o número de estrelas e o tamanho do Universo são infinitos — esta, uma ideia errada, de acordo com a amplamente aceita teoria do Big Bang.
Mas o mais fascinante de tudo é que Giordano Bruno passava longe de ser cientista. Vejamos: 33 anos depois de ele ser queimado vivo, Galileu Galilei teve de ir ao mesmo tribunal, na mesma sala, e ser forçado a dizer que Copérnico estava errado.
Cedeu e salvou sua vida. A forma como chegou às suas conclusões foi por meio de observações, com dados acumulados exaustivamente e também experimentos e matemática.
Bruno não olhou para o céu noturno nem fez qualquer experiência. Ele chegou à suas ideias através de teologia. Sua visão já havia sido proposta por outros religiosos, mas nunca levada às últimas consequências como ele fez.
Tudo parte da ideia de o Universo ser infinito. É assim porque Deus é infinito. Um universo infinito não tem centro - por isso ele apoiou a teoria de Copérnico, de que a Terra é só um planeta que gira em torno do Sol.
Se não somos o centro, o resto deve ser igual — daí as estrelas como irmãs do Sol. Esse Deus do infinito e material habita cada átomo — e é Ele que os mantém ligados uns aos outros.
Visão incompatível
Então começam as ideias que o levaram à fogueira, mais do que a astronomia. Para Bruno, Deus não poderia ter encarnado em Jesus porque está em todo lugar. Portanto, Jesus não havia sido um messias, mas um mero mago, e sua mãe não era virgem.
O teólogo também achava ridículo dizer que uma hóstia se transforma na substância de Jesus, portanto Deus, ao ser ingerida — o dogma da transubstanciação. Afinal, tudo já é Deus. E que o Deus que habita na matéria é mais benevolente que o da Igreja: não havia inferno e o próprio Diabo seria perdoado.
Bruno seria acusado de defender os infinitos mundos, mas também de todas essas heresias. Ele tentou ceder em dogmas da igreja, mas não em sua visão cosmológica.
Bravo até o fim, ele respondeu à sua condenação com um desafio: "Talvez vocês pronunciem essa sentença com mais medo que eu a recebo". E foi para a fogueira amordaçado, para nada mais dizer.
A visão de mundo do teólogo era irreconciliável com o cristianismo, não só católico. Ainda é. Em 1992, o papa João Paulo II afirmou que o julgamento de Galileu foi um erro. Mas Bruno não tem a menor chance de receber o mesmo tratamento. Foi um verdadeiro herege que nunca foi perdoado e provavelmente nunca será.
Giordano Bruno foi uma mente brilhante e inquieta, um grande contestador, e um mártir de causas importantíssimas: a liberdade de expressão e a liberdade de religião. De forma não-científica, chegou a ideias incrivelmente subversivas para sua época, que seriam provadas pela Ciência. Mas daí a ser um mártir da Ciência é outra história.
A historiadora britânica Frances Yates foi uma das mais influentes estudiosas de Bruno. Em seu livro de 1964, ela chegou a afirmar que o teólogo atrapalhou a Ciência: "Bruno empurra o trabalho científico de Copérnico de volta à fase pré-científica, interpretando o diagrama copernicano como um hieróglifo de mistérios divinos".
Talvez, mas isso o torna ainda mais fascinante.
Saiba mais
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Did 'Cosmos' pick the wrong hero?, Corey S. Powell, Discover Magazine
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