Ainda que uma autópsia tenha sido realizada, jamais a identidade do morto foi revelada — alimentando as mais diversas teorias da conspiração
Gabriel Fagundes Publicado em 09/03/2020, às 09h00 - Atualizado em 21/05/2021, às 10h30
Tamám Shud. Esta é uma expressão persa que designa o “fim” de algo ou “término” de uma realização. Ela chegou a ser empregada pelo escritor persa Omar Khayyam em sua antologia de poemas. Porém, convenhamos que tanto na literatura quanto na vida, alguns acontecimentos nos trazem certo suspense, mas sem que a história tenha um desfecho, uma explicação, como coloca as duas palavras acima. Criando um verdadeiro mistério.
É o caso de um cadáver encontrado em uma praia de Somerton, em Adelaide, Austrália, às seis e meia da manhã de dezembro de 1948. Cuja identidade até hoje permanece uma incógnita. Ninguém sabe nos dizer qual sua história, se tinha filhos, onde morava, o que desempenhava… Nada.
O que se pode afirmar é que ele teve um sangramento no estômago, que evidenciou uma hemorragia gástrica elevada, além de coisas bem anormais para a área em que foi descoberto: estava de terno numa orla, seu braço direito dobrado e o esquerdo esticado, tinha passagens de trem e de ônibus. Além de cigarros, pente, fósforos, chiclete, e num bolso escondido da calça estava uma folha com os inscritos “Tamám Shud”. Um enigma que foi parar nos principais jornais da época. Ninguém entendeu nada.
Uma autópsia constatou que seus órgãos tiveram uma alteração, seus rins e estômago estavam obstruídos, e o baço chegou a aumentar três vezes de tamanho. A partir disso, os médicos descartaram a possibilidade de envenenamento ou suicídio. Mas, o indício de algo maior estava naquele papel, onde os policiais decidiram rastrear a origem.
Fazendo uma busca, viram que a página arrancada pertencia a um livro chamado The Rubaiyat — do escritor persa já mencionado —, da qual o exemplar havia aparecido no banco de um veículo próximo à praia na véspera da morte do homem desconhecido.
O carro era propriedade de um poeta que também desconhecia o ocorrido. Apesar disso, para estimular ainda mais o suspense, havia escrito o telefone de uma enfermeira no fragmento, o que levou as autoridades a contatá-la.
A mulher então confirmou que há alguns anos dera o livro a um sujeito chamado Alfred Boxall, que era um oficial do Exército. Os agentes verificaram a informação e constaram que o homem estava vivo e com o livro, descartando-o como um suspeito. Contudo, não paramos por aqui. Isso porque nenhum dos dois sabia quem era o anônimo. O que criou ainda mais teorias.
Dentre elas, a de que a enfermeira, por nome de Jessica Thomson, teve um filho chamado Robin, que no período do evento era um bebê, mas que ao atingir a maturidade atribuiu ao tal homem sua paternidade. Outra, de que o defunto poderia ser um espião, por isso a ausência de documentos e mensagens codificadas.
Especulação que foi adoçada em 2013 por Kate Thomson, filha de Jessica. Dissera na televisão que sua mãe conhecia, sim, o defunto, mas que omitiu essa informação no passado porque ambos eram agentes secretos russos. Ela, portanto, seria a filha — fruto da relação dos dois.
Ainda, restava mais uma dúvida: quem era a pessoa que colocava flores no túmulo do indigente? Não era ele um ser esquecido, ignorado? Pois bem... São incertezas como essas sobre qual fim levou o falecido, que nos incentiva a querer saber mais e mais sobre sua causa mortis.
Todavia, passados 72 anos desse incidente, permanecemos iguais ao ano de 1948: sem um fato probatório, uma resposta definitiva. Estamos como num filme de suspense, cujo enredo nos leva a criar a nossa própria narrativa, sem que tenhamos, claro, um desfecho. Ou melhor, uma “Tamám Shud”.
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