Eles começaram a chegar em 1810, foram parar até na Amazônia e ajudaram a construir os alicerces que hoje sustentam o país
Giovana Sanchez Publicado em 04/01/2019, às 11h00 - Atualizado às 13h52
"A viagem levou três meses e foi dura. Mas quando o navio se aproximou de Santos... Ah, era um sonho. Porque, de menina, eu sonhava com um país que tivesse sol. Na nossa cidade não tinha muito sol. E na nossa vida também não, pois havia muito anti-semitismo.” Bertha Kogan chegou ao Brasil em 1921, quando tinha apenas 13 anos. As imagens de sua memória mostram um país iluminado, feliz. E era assim que o definia a maioria dos judeus que aqui chegava, vindos de diversos países em diferentes épocas.
Estima-se que, hoje, existam cerca de 96 mil judeus no Brasil. O primeiro veio junto com Cabral, nas caravelas. Chamava-se Gaspar da Gama, de apelido Gaspar das Índias. Poliglota, trabalhava como tradutor oficial da missão portuguesa. Depois dele, vieram muitos, que se instalaram por todo o território nacional – formando comunidades que interagiram e mudaram a história do país. Os judeus deixaram marcas importantes na economia brasileira. Na indústria, os Feffer e os Klabin; no comércio, os Klein, fundadores da rede de varejo Casas Bahia; nas finanças, os Safra.
A primeira grande leva de imigrantes chegou em 1810, após a abertura dos portos às nações amigas e aos não-católicos. Antes disso, sabe-se que eles vieram, mas como eram critãos-novos (judeus convertidos), não deixaram registros. O começo do século 19 trouxe um grande número de judeus marroquinos. Fixados no norte do Brasil, na região da Bacia Amazônica, eles formaram uma comunidade unida. A sinagoga funcionava em uma casa de família comum e os costumes judaicos eram praticados de maneira discreta – só em 1890 a liberdade de culto foi instituída no Brasil.
Os judeus europeus chegaram por volta de 1870 e “tiveram um importante papel no refinamento da sociedade brasileira da época”, de acordo com Nachman Falbel, professor de História Medieval na USP e autor, entre outros, do livro Estudos sobre a Comunidade Judaica no Brasil. É o caso de famílias como a da pintora Bertha Abraham Worms e a do pianista e maestro Alexandre Levy.
A língua mais falada pelos imigrantes vindos do Leste Europeu era o iídiche. O hebraico, na época, era tido como muito religioso – restrito, portanto, aos mais ortodoxos. No entanto, um ilustre brasileiro, não-judeu, dominava o hebraico como ninguém. Conta a história que, em 1876, D. Pedro II viajou a São Francisco, nos EUA, e foi recebido por uma grande comitiva em sua chegada. Entusiasmado com a cerimônia, e querendo mostrar seus dotes de lingüista, o imperador pôs-se a falar em hebraico. Ficou indignado quando viu a expressão de interrogação dos judeus americanos ao ouvirem aquelas estranhas palavras. D. Pedro II era um dos poucos ali que conhecia o idioma. Não só conhecia como estudava a língua a fundo. Pelo menos é isso que demonstra um trecho de seu diário com data de 5 de janeiro de 1862 – “Pretendo distribuir assim o tempo: acordar às 6 horas, e até às 7 horas grego ou hebraico; passeio até 8 horas ou 8h30, de então até 10 horas hebraico”.
Embora o censo populacional da época mostre que havia apenas 2 309 judeus entre uma população de quase 10 milhões de brasileiros, o imperador estava rodeado deles. Seu dentista, seu procurador, muitos de seus mordomos e a maioria absoluta de seus fornecedores eram judeus.
Era fim do século 20 e os judeus da Europa Oriental estavam sofrendo com os pogroms (ataques deliberados) na Rússia. Milhares de imigrantes deixavam seus países para se aventurar nas Américas. Eles iam para países como Brasil, Argentina e EUA. Muitas vezes, eram obrigados a vender tudo ou quase tudo o que tinham para conseguir viajar. Quando chegavam, não tinham praticamente nenhum dinheiro.
Comovido com essa triste situação dos imigrantes, o rico barão inglês Mauricio de Hirsch investiu aproximadamente 2 milhões de libras esterlinas na criação de uma associação mundial que ajudasse os colonos judeus: a Jewish Colonization Association (JCA), ou Associação para Colonização Judaica. Em 1904, a entidade compraria 5 767 hectares de terra em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, para montar o que seria a primeira colônia de judeus no Brasil – de nome Philippson. A JCA assumia todas as despesas da viagem dos colonos e ainda fornecia pedaços de terra, duas juntas de boi, duas vacas, um cavalo e auxílio financeiro, variável de acordo com o número de pessoas da família.
A maioria dos judeus que aqui chegavam, entretanto, não tinham qualquer habilidade com a enxada nem sabiam plantar. O abandono das lavouras foi enorme, assim como o aumento do número de imigrantes que iam para as cidades. Lá, eles se reuniram em certos bairros e criaram as primeiras instituições judaicas. O alemão Hugo Meyer, por exemplo, chegou e se impressionou com a quantidade de judeus que encontrou. “Em São Paulo, fomos morar na rua Berta, onde estavam muitos dos judeus alemães. O célebre pintor Lasar Segall foi meu vizinho de frente.”
Todo o cenário urbano dessa época acabou sendo eternizado em uma série de reportagens do cronista Paulo Barreto, publicada em 1900, no jornal Gazeta de Notícias. Nela, João do Rio, como era conhecido, narrou o cotidiano das ruas cariocas – que ganhavam ares de metrópole moderna – e a passagem da comunidade judaica. Tudo sob um olhar não-judeu. Costumava dizer que esses imigrantes estavam muito bem instalados. “Tanto nos bancos como na vida”. Mostrou a diferença entre os judeus árabes que chegavam e os europeus já fixados: “Eles aparecem por aqui na miséria, mas aos poucos, pela própria energia, tomam o comércio ambulante, viram ‘camelots’, montam armarinhos e acabam prosperando. Há ruas inteiras ocupadas por eles”, contava.
Em São Paulo, os judeus estabeleceram-se principalmente no bairro do Bom Retiro e especializaram-se na fabricação e no comércio de artigos de vestuário. A opção por esse negócio era devida ao baixo investimento inicial. Como não era preciso muito maquinário, eles poderiam fugir rapidamente caso ocorresse nova perseguição.
Mais tarde, o medo do que viria com a chegada da Segunda Guerra Mundial trouxe muitos judeus ao Brasil. Após o fim do conflito, outros tantos vieram. E, no bairro paulistano do Bom Retiro, eles recebiam nomes diferentes: os que primeiro chegaram eram os gueiler (amarelos); os que vieram depois eram os griner (verdes). Dizia-se que um judeu recém-chegado era facilmente reconhecido pelas roupas, pelo modo de falar e pela pronúncia acentuada. Amarelos ajudavam os verdes em tudo – nos negócios, na adaptação e na apresentação da cidade. Afinal, eram todos judeus, gente que ajudaria a construir a história do Brasil.
“Eles aparecem por aqui na miséria, mas aos poucos, pela própria energia, tomam o comércio ambulante, viram ‘camelots’, montam armarinhos e prosperam”
Fernão de Loronha era um dos homens mais ricos da Lisboa do século 16. Mercador e banqueiro, o cristão-novo foi representante dos interesses da família Függer – uma das mais opulentas da Europa. Em 1502, o rei D. Manuel deixou o monopólio do pau-brasil em suas mãos. No início de 1504, como reconhecimento por seus “bons serviços”, Loronha tornou-se donatário da primeira capitania concedida no Brasil: uma ilha que, mais tarde, ficaria conhecido pela versão brasileira do nome do mercador: Fernando de Noronha. Morreu em 1530, sem jamais ter visitado sua propriedade além-mar.
Introdutor do Modernismo no Brasil e mestre do expressionismo, Segall nasceu na Lituânia, em 1891. Pintor, desenhista e escultor, ele veio pela primeira vez ao Brasil em 1913, para expor em São Paulo e Campinas. De volta à Alemanha, foi perseguido durante a Primeira Guerra Mundial e viu de perto os horrores do conflito – uma experiência que marcou sua obra de maneira visível. No início dos anos 20, instalou-se definitivamente no Brasil. Aqui, seus trabalhos ganharam temática brasileira, com contornos menos angulosos e tensos. Morou no bairro paulistano da Vila Mariana – onde hoje funciona o Museu Lasar Segall.
Ela dizia ser brasileira “e pronto”, embora tenha nascido na Ucrânia. Dona de um texto complexo, a autora deixou uma obra vasta: oito romances, uma novela e oito livros de contos. Provavelmente nascida em 1920 (ela mudava a data com freqüência), Clarice Lispector não costumava mencionar sua origem judaica. Mas é possível identificar em sua obra elementos judaicos. No livro A Hora da Estrela, por exemplo, o nome da protagonista, “Macabéa”, vem de “macabeus” (família judaica que liderou a revolta contra o domínio selêucida, em 140 a.C.). A escritora morreu no Rio de Janeiro, em 1977.
Com cerca de cem espetáculos encenados no Brasil, o dramaturgo e ator polonês Zbigniew Ziembinski influenciou toda uma geração de artistas brasileiros com a idéia de uma obra com caráter autoral. Chegou ao Brasil quando tinha 33 anos, fugindo da Segunda Guerra Mundial. No Rio de Janeiro, aproximou-se da companhia amadora Os Comediantes, formada por artistas e intelectuais interessados na dramaturgia moderna. Com eles, Ziembinski fez encenações que se tornaram marcos do teatro brasileiro, como Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, e Pais e Filhos, de Bernard Shaw. Morreu em outubro de 1978, aos 70 anos.
Filho de imigrantes, Senor Abravanel teve infância humilde. Aos 14 anos, trabalhava como camelô na Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro. Para atrair clientela, aprendeu a fazer truques de mágica. A tática deu tão certo que impressionou até um policial que, em vez de prendê-lo e apreender suas mercadorias, deu-lhe um cartão da Rádio Continental. Lá, Senor tornou-se Sílvio Santos e começou a carreira de radialista. Em 1962, aos 32 anos, estreou um programa na TV Paulista. Em 1981, com uma licença para o Canal 4 de São Paulo, nascia o SBT, hoje segunda maior emissora do país.
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