Anita Prestes, filha de Olga Benário e Luís Carlos Prestes - Henrique Almeida/Agecom/UFSC
Personagem

Anita: a filha de Prestes e Olga Benário que nasceu em campo de concentração

A historiadora e militante comunista ainda acredita na necessidade histórica do socialismo, assim como seus pais

Redação Publicado em 03/08/2020, às 18h00

Em 1936, quando foi presa na companhia do marido, Luiz Carlos Prestes, no Rio de Janeiro, Olga Benário reunia quase todos os elementos que constavam na lista de ódios do governo ditatorial de Getúlio Vargas. Além de estar casada com um líder político de
grande carisma popular, o que era sempre visto como uma ameaça por Getúlio, ela era uma comunista enviada por Moscou para planejar a tomada do poder no Brasil, uma alemã que entrara com documentos falsos no país e judia.

Esta última qualificação agregava um perigo mortal para Olga Gutmann Benário caso sua prisão tivesse se dado na sua Alemanha natal, onde, naquela época, os judeus eram caçados e mortos. Por esse motivo, a sua deportação para as mãos da Gestapo foi uma crueldade rara até para governos despóticos. E, se agregarmos a isso o fato de que Olga estava grávida de sete meses quando chegou a Hamburgo, o ato chancelado pelo presidente Getúlio Vargas merece a classificação de barbárie.

Olga sendo presa em 1936 / Crédito: Wikimedia Commons

 

Olga foi embarcada em um navio cargueiro alemão em setembro de 1936, no Rio
de Janeiro, embora não houvesse contra ela nenhuma acusação formal. No dia 27 de novembro, deu à luz Anita Leocadia no presídio de mulheres em Berlim. Sua prisão mobilizou movimentos de solidariedade na França, nos Estados Unidos e em vários outros lugares. A mãe de Prestes, Leocadia, e a irmã, Lygia, se movimentaram e foram várias vezes a Berlim, sem jamais conseguir se encontrar com Olga.

Após muitas tratativas, conseguiram resgatar Anita Leocadia, então com 11 meses de idade, que foi levada para o México, onde viviam exiladas sua avó e tia. Mas toda a pressão e negociações não conseguiram impedir a morte de Olga Benário. Em abril de 1942, ela seria assassinada numa câmara de gás no campo de concentração de Bernburg, a 180 km de Berlim.

Anita Leocadia Prestes não se lembra nada do período em que passou em uma prisão feminina da Gestapo — a polícia política do regime nazista — na Alemanha, onde nasceu em 27 de novembro de 1936. Nem podia ser diferente, pois foi resgatada dali pela avó materna, Leocadia, e sua tia, Lygia, com apenas 1 ano e 2 meses.

Mas tem marcada na memória a enorme angústia da família nos anos seguintes com a falta de notícias imposta pelo início da Segunda Guerra das três tias maternas que viviam em Moscou; do pai, Luiz Carlos Prestes, preso no Brasil; e da mãe, Olga, no presídio nazista.

Resgatando Anita

Foto de Anita Leocádia Prestes em 1957 / Crédito: Wikimedia Commons

 

Para arrancar a pequena Anita do poder da Gestapo, foi movida uma campanha internacional. Pressionados, os alemães concordaram em entregar o bebê. Anita iria para o México em companhia da avó e da tia Lygia, que durante toda a vida seria a sua “mãe de fato”. Se alfabetizaria em espanhol. Somente em 1945, quando Luiz Carlos Prestes foi libertado por uma anistia, Anita, perto de completar 9 anos, pôde retornar ao Brasil e conhecer o pai.

Mas a vida para os comunistas, e para suas filhas pré-adolescentes, nunca seria tranquila. O governo do presidente Dutra os perseguia. Em uma entrevista, Anita contou que a família lhe escondia o fato de que recebia cartas anônimas com ameaças. Temendo que ela fosse sequestrada, o PCB designou dois corpulentos militantes para acompanhá-la em todos os lugares aonde fosse.

“Aos 12 anos, eu achava aquilo tão desagradável que decidiram me enviar, isso em 1950, para Moscou para cursar a escola secundária", explicou. Anita ficaria na capital russa até 1957, quando novamente a distensão política do governo de Juscelino Kubitschek tornou segura sua volta.

Já uma jovem adulta, passa a acompanhar o pai e a militar no Partido Comunista. Completa o curso superior de química industrial, “uma paixão”, e é aceita como estagiária na Petrobras. Mas, em 1964, o golpe militar provoca a sua demissão. Com o pai novamente na clandestinidade e sem emprego, Anita obtém uma bolsa de mestrado que garantiria sua sobrevivência pelos dois anos seguintes.

O sobrenome, no entanto, a impediria de conseguir qualquer emprego. Torna-se, então, militante em tempo integral. Embora nunca tenha sido presa, a repressão política dos regimes militares a fez voltar para o exílio em Moscou, no início da década de 1970. Ali recebe o título de doutora em economia e filosofia.

Volta ao Brasil e, em 1990, torna-se doutora em história pela Universidade Federal Fluminense. Sua tese é uma ampla análise da Coluna Prestes, baseada em longas entrevistas dadas por seu pai.

Hoje em dia

Crédito: UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)

 

Historiadora, professora aposentada da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e militante comunista, desde cedo Anita já sabia qual era o seu papel na sociedade brasileira — e isso permanece até os dias de hoje. 

“Fui educada para me posicionar politicamente. Sabia quem meus pais eram desde bem pequenininha", disse em entrevista à Universa. Influenciada pelos familiares, ela se tornou uma grande estudiosa do comunismo. Estudando o contexto do Brasil, ela alega que a doutrina marxista nunca foi perigo algum ao país, e que ainda hoje a esquerda, fragmentada, não consegue se estabelecer como alternativa.

Mas, ainda assim, coloca o socialismo como “a única saída”. “Vai levar tempo para forças sociais e políticas organizadas conseguirem levar adiante um projeto para derrubar o capitalismo. E não tem jeito, a única saída é o socialismo. Quando vai ser não dá para adivinhar. Mas vai surgir, não tenho dúvida, é uma necessidade histórica”.


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