As irmãs Eva e Miriam Kor no campo de concentração de Auschwitz-Birkenau - Wikimedia Commons
Nazismo

Eva e Miriam Kor, as gêmeas que foram alvo das atrocidades do Anjo da Morte de Auschwitz

Durante meses, as jovens participaram das mais diferentes experimentações de Josef Mengele — e uma delas só encontrou paz de espírito após perdoar seus malfeitores

Fabio Previdelli Publicado em 15/05/2020, às 06h00

Eva Mozes Kor sobreviveu aos experimentos médicos pseudocientíficos sádicos realizados com gêmeos no campo de extermínio de Auschwitz. Posteriormente, durante décadas, dedicou-se a contar os horrores do Holocausto gerados pelo ódio religioso e racial, enquanto pregava o poder do perdão como um meio de curar traumas devastadores do passado.

Em muitos momentos, Kor levou jovens em passeios anuais de verão a Auschwitz. No entanto, durante uma dessas turnês, acabou falecendo no dia 4 de julho de 2019, aos 85 anos, em um hotel em Cracóvia, na Polônia. Perto do local do antigo campo de extermínio — lá mesmo, onde ela e sua irmã gêmea, Miriam, estiveram entre os 1.500 pares de gêmeos que foram vítimas de experimentos supervisionados pelo médico alemão Josef Mengele, o anjo da morte de Adolf Hitler.

O início da vida e deportação para Auschwitz

Eva nasceu, em 1934, na pequena vila romena de Portz. Antes mesmo do seu décimo primeiro aniversário, já sentiria na pele o lado mais podre do conflito mundial e todas as atrocidades que o homem seria capaz de causar com seu semelhante.

Na primavera de 1944, ela, seus pais e irmãos — além de Miriam, também havia Edit e Aliz — foram levados para o gueto regional de Cehei, em Șimleu Silvaniei. De lá, faria uma longa e tortuosa viagem de dois dias em um caminhão de gado até o campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau.

A irmãs Kor logo no início da fila / Crédito: Wikimedia Commons

 

Logo nos primeiros passos por lá, um guarda — que fazia a triagem entre aqueles que trabalhariam nos campos e aqueles que iriam diretos para as câmaras de gás — abordou sua mãe querendo saber se as pequenas Eva e Miriam eram gêmeas. Com a confirmação, foram levadas imediatamente, apesar das reclamações da matriarca.

Durante cerca de 10 meses antes da Libertação de Auschwitz acontecer, em 27 de janeiro de 1945, elas foram submetidas as mais diferentes experimentações lideradas pelo doutor Josef Mengele.

No documentário Forgiving Dr. Mengele (Perdoando o doutor Mengele, em tradução livre), Eva relata como foram seus dias no campo: às segundas, quartas e sextas-feiras, os médicos nazistas colocavam ela e sua irmã, assim como inúmeros outros pares de gêmeos, nus em uma sala na qual ficavam de seis a oito horas. Despois, cada parte de seus corpos era medida e comparada com os dados recolhidos anteriormente.

Já às terças, quintas e sábados, os agentes da SS as levavam até um laboratório de sangue. Lá, tinham seus dois braços amarrados para restringir o fluxo sanguíneo. Em seguida, uma agulha retirava amostras de sangue do braço esquerdo enquanto o direito recebia, no mínimo, cinco injeções com substâncias desconhecidas.

Após algumas delas, Eva ficou muito doente e teve febre muito alta, enquanto seus braços e pernas ficaram inchados e doloridos. Constantemente as duas também sentiam calafrios, apesar do sol de agosto refletir em suas peles. Além do mais, era com a claridade natural que percebiam enormes manchas vermelhas cobrindo os seus corpos.

Depois dessa experiência em que achava que não sobreviveria, Eva foi levada por Mengele ao quartel do hospital. Durante o período em que ficou lá, só teve lembranças claras de duas semanas que passou no local: muitas delas era de quando rastejava pelo chão — pois não tinha força o suficiente nas pernas — para alcançar uma torneira onde se refrescaria com um pouco de água.

Enquanto se rastejava, desaparecia e voltava dentro de sua própria consciência. Mas se recorda de dizer a si mesma: “Eu devo sobreviver, eu vou sobreviver”. Depois de um tempo, sua febre acabou e ela enfim conseguiu retornar para perto da irmã.

Josef Mengele: o anjo da morte de Auschwitz / Crédito: Divulgação

 

O sofrimento das duas só acabou, em partes, com a chegada do Exército Vermelho. Eva e Miriam, assim como outras 180 crianças — a maioria delas gêmeas —, foram enviadas para um convento em Katowice, na Polônia, que estava sendo usado como um orfanato.

Ao revisitarem o campo de deslocados próximo, encontraram Rosalita Csengeri, uma amiga de sua mãe que também teve filhas gêmeas usadas nos experimentos de Mengele. Com o encontro, Csengeri assumiu a responsabilidade das pequenas e as ajudaram a voltar à Romênia.

Vida pós-Guerra, perdão e ativismo

Ao retornarem a terra natal, foram morar com uma tia, Irena, em Cluj, onde tentaram se recuperar dos traumas passados em Auschwitz. Em 1950, aos 16 anos, receberam a permissão para imigrar para Israel, onde serviram no Exército Israelense. Eva tornou-se desenhista e alcançou o posto de sargento major no Corpo de Engenharia do Exército de Israel.

Nos anos 1960, ela se casou com Michael, que também sobreviveu ao Holocausto, e os dois foram morar nos Estados Unidos. Na década seguinte, se juntou à irmã, que ainda morava em Israel, e começou a tentar encontrar outros sobreviventes dos experimentos. Em 1984, Eva fundou o Candles Holocaust Museum and Education Center, nos Estados Unidos, dedicado à recordação e reconciliação das vítimas do Holocausto.

Eva Kor no campo de concentração de Auschwitz-Birkenau, anos depois / Crédito: First Run Features

 

Após se encontrar com muitas pessoas que lhe fizeram mal, como Oskar Gröning (um ex-oficial da Schutzstaffel) e Hans Münch (ex-médico em Auschwitz), Eva Kor chegou à conclusão de que, para se curar, ela deveria perdoar as pessoas que lhe fizeram coisas horríveis nos campos.

Assim, passou meses escrevendo cartas para aqueles que a machucavam. Uma delas, inclusive, foi redigida para "O Anjo da Morte". Apesar de revirar as marcas do passado ter sido uma tarefa difícil, Eva dizia que aquilo lhe fazia uma pessoa mais feliz e saudável.


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