Ela repassou segredos britânicos sobre construção de bombas atômicas, e foi considerada a espiã feminina mais importante da Grã-Bretanha
Ingredi Brunato Publicado em 30/08/2020, às 07h00
Melita Norwood parecia uma senhora como outra qualquer, vivendo na pacífica localidade de Bexleyheath, na região de Londres. Ela já era tanto viúva quanto aposentada quando o jornal The Times passou a publicar os capítulos de um livro que divulgava informações de arquivos confidenciais da espionagem soviética.
Foi então que os vizinhos e conhecidos de Norwood descobriram que ela havia passado informações para o governo. Mais surpreendente ainda, é que Anita Ferguson, filha de Norwood, também descobriu que a mãe havia sido uma espiã apenas quando leu sobre no jornal.
Os arquivos da polícia secreta russa
O livro que trouxe tudo à tona se chamava The Mitrokhin Archive: A KGB na Europa e no Ocidente, e foi escrito por Cristopher Andrew, um professor da Universidade de Cambridge. Os arquivos confidenciais haviam chegado a suas mãos entregues pelo próprio governo inglês, que havia decidido que era hora da população saber sobre eles.
A história desses arquivos é quase um filme de ação por si só: Vasili Mitrokhin era um membro da KGB, a polícia secreta da União Soviética, que desertou para o Reino Unido após a queda do regime socialista, em 1965.
Com ele, o ex-oficial trouxe nada menos que seis baús de informações confidenciais sobre a espionagem realizada. Conta a história que ele teria procurado o governo dos Estados Unidos primeiro, mas eles não o tinham levado a sério.
Desmascarada
Embora tenha sido revelado à inteligência britânica já em 1965, através de Mitrokhin, que Melita Norwood havia realizado espionagem para o regime soviético, eles não possuíam provas suficientes para processá-la, e também não queriam interferir em outras investigações que ocorriam no mesmo período, que poderiam ser afetadas com a menção do arquivo Mitrokhin.
Foi só com a divulgação dos arquivos da KGB em 1990, que a senhora britânica acabou confirmando tudo, em entrevista coletiva. Na frente da sua casa, usando um vestido rosa florido e segurando um papel entre as mãos, Melita Norwood confessou à imprensa sobre suas quatro décadas de espionagem.
Norwood trabalhava como secretária em uma associação chamada “Non-Ferrous Metals Research Association”, (Ou “Associação de Pesquisa de Metais Não-Ferrosos”, em tradução livre), um lugar em Londres que pesquisava urânio e, secretamente, era parte de um projeto de desenvolvimento de armas nucleares, em colaboração com os Estados Unidos.
O papel da espiã, ou Agente Hola, como havia sido seu último codinome dado pela KGB, era entrar no escritório de seu chefe quando ninguém estava olhando, e tirar fotos dos documentos encontrados lá. Depois disso, câmera era entregue ao seu contato dentro da polícia inimiga.
Melita Norwood não se arrepende de sua espionagem para o governo. “Eu fiz o que fiz não para ganhar dinheiro, mas para ajudar a prevenir a derrota de um novo sistema que tinha, com grande custo, dado às pessoas comuns alimentos e passagens que eles podiam pagar, uma boa educação e um serviço de saúde”, disse ela na coletiva.
Outras curiosidades
Segundo é estimado, graças à informações conseguidas por Norwood, a nação soviética foi capaz de concluir a construção de uma bomba nuclear entre dois e cinco anos mais cedo do que conseguiria sem a ajuda da espiã inglesa. No livro de Christopher Andrew, ela é descrita como "a agente feminina britânica mais importante na história da KGB e a mais antiga de todas as espiãs soviéticas na Grã-Bretanha".
Ironicamente, ela poderia ter sido desmascarada muito antes, se os oficiais do MI5, o Serviço de Segurança Britânico, tivessem dado ouvidos à agente Mona Maund, uma das primeiras mulheres a trabalhar na inteligência britânica.
Maund teria identificado a mulher como uma possível espiã já em 1930, quando Norwood ainda estava começando suas atividades de espionagem, mas quando foi reportá-la para seu superior, ele descartou a possibilidade dizendo que mulheres não faziam boas espiãs. Esse mesmo superior teria inclusive demitido a agente mais tarde, porque ela o acusara de incompetência.
A senhora britânica ganhou o prêmio Ordem da Bandeira Vermelha em 1979, porém recusou a recompensa em dinheiro. Em 2005, Melita Norwood veio a falecer, após viver seus últimos anos pacificamente. Depois de tudo, o governo inglês havia decidido que não havia porque prendê-la após tanto tempo.
Em 2018, foi lançado inclusive um filme inspirado na história da espiã soviética, que se chamou "Red Joan" (ou "A espiã vermelha", no Brasil).
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