Manifestantes protestam contra a integração da Little Rock, a High School Central do Arkansas, em 1959 - Wikimedia Commons
Estados Unidos

Escravidão mascarada: as inacreditáveis leis de Jim Crow, nos EUA

No final do século 19, as legislaturas estaduais representaram uma maneira legal de colocar cidadãos negros em servidão e separá-los da parcela ‘branca’ da população americana

Fabio Previdelli Publicado em 09/06/2020, às 17h07 - Atualizado em 12/05/2022, às 15h26

Promulgadas no final do século 19 e início dos 20, as legislaturas estaduais eram dominadas pelos Democratas conservadores brancos após o período de Reconstrução — que se iniciou após o término da Guerra de Secessão, em 1865 — e começaram a valer imediatamente após a ratificação da 13ª Emenda, que aboliu a escravidão nos Estados Unidos.

Os chamados Black Codes apareceram em todo o Sul do país como uma maneira legal de colocar cidadãos negros em servidão contratada, tirar direitos de voto, controlar onde moravam e como viajavam e apreender crianças para fins trabalhistas.

Um jovem bebendo água em um terminal destinado a pessoas de “cor”, em Oklahoma, em  1939 / Crédito: Biblioteca do Congresso

 

Esses códigos funcionavam em conjunto com campos de trabalho para os encarcerados, onde os prisioneiros eram tratados como pessoas escravizadas. Os infratores negros geralmente recebiam sentenças maiores do que os brancos que cometiam o mesmo tipo de infração e, por causa do trabalho exaustivo, muitas vezes não viviam a sentença inteira.

O que eram as Leis de Jim Crow?

 As leis de Jim Crow eram uma coleção de estatutos estaduais e locais que legalizavam a segregação racial no sul dos Estados Unidos. Com ela, os povos afro-americanos não poderiam votar, estudar ou até mesmo estar diante de oportunidades igualitárias.

Aqueles que tentavam desafiar as leis de Jim Crow eram frequentemente levados a prisão, multados, sentenciados, sofriam violência e até mesmo mortos. Um verdadeiro Apartheid que assolou o sul da América.

Por lá, as medidas afetavam quase todos os aspectos da vida cotidiana, exigindo a segregação de escolas, parques, bibliotecas, bebedouros, banheiros, ônibus, trens e restaurantes. Nesses locais, placas sinalizando espaços para “somente brancos” e “pessoas de cor” eram lembretes da ordem racial que havia sido instaurada.

Na teoria jurídica, os negros recebiam um tratamento chamado de "separate but equal" (separado, mas igual) nos termos da lei, porém, na realidade, os estabelecimentos públicos para negros eram quase sempre inferiores aos dos brancos — isso quando existiam.

Além do mais, aos negros foi negado sistematicamente o direito de voto na maior parte do sul rural através da aplicação seletiva de testes de alfabetização e outros critérios de motivações raciais.

A ascensão da Ku Klux Klan

Durante a era da Reconstrução, os governos locais, assim como o Partido Democrata e o presidente Andrew Johnson, frustraram os esforços para ajudar a comunidade negra americana a se reerguer. Nesse tempo, a violência já estava em ascensão e era comum se deparar com escolas negras serem vandalizadas e destruídas, assim como bandos violentos atacarem, torturarem e lincharem os cidadãos negros durante a noite.

A organização mais cruel da era Jim Crow foi justamente a Ku Klux Klan, que nasceu em 1865 em Pulaski, no Tennessee, como um clube privado para veteranos confederados. Porém, logo a KKK se transformou em uma sociedade secreta, aterrorizando as comunidades negras e infiltrando-se na cultura branca do Sul, com membros nos mais altos níveis de governo e nos escalões mais baixos dos becos criminosos.

A expansão das leis de Jim Crow

No início da década de 1880, as grandes cidades do Sul não estavam totalmente de acordo com as leis de Jim Crow e os afro-americanos encontraram uma liberdade maior para se estabelecerem por lá. Entretanto, com o passar da década, os habitantes das cidades brancas exigiram mais setenças para limitar as oportunidades para a população negra.

Assim, as medidas de Jim Crow logo se espalharam pelo país com ainda mais força do que anteriormente. Os negros passaram a serem proibidos de entrar em parques públicos, teatros e foram segregados até mesmo em restaurantes.

Foram necessárias salas de espera separadas nas estações de ônibus e trem, além de fontes de água, banheiros, entradas de edifícios, elevadores e cemitérios. As leis também proibiam os afro-americanos de viverem em bairros brancos e alguns estados exigiam livros separados para estudantes de “cores diferentes”.

Um policial militar afro-americano em uma motocicleta em frente à entrada para pessoas "de cor". Columbus, Geórgia, em 1942 / Crédito: Wikimedia Commons

 

Em Atlanta, os afro-americanos, no tribunal, recebiam uma Bíblia diferente da dos brancos para jurar. O casamento e a coabitação entre brancos e negros eram estritamente proibidos na maioria dos estados do sul e não era incomum ver placas afixadas nos limites das cidades alertando os negros de que não eram bem-vindos lá.

O "fim" de um horror

A era pós-Segunda Guerra Mundial viu um aumento nas atividades de direitos civis na comunidade afro-americana, com foco em garantir que os cidadãos negros pudessem votar. Isso deu início ao movimento dos direitos civis, resultando na remoção das leis de Jim Crow.

Em 1948, o presidente Harry Truman ordenou a integração nas forças armadas e, em 1954, a Suprema Corte decidiu em Brown v. Board of Education que a segregação educacional era inconstitucional, encerrando a era da educação do "separado, mas igual".

Ruby Bridges foi a primeira criança afro-americana a entrar em uma escola primária toda branca durante a crise de desagregação escolar. Nova Orleans, em 1960 / Crédito: Wikimedia Commons

 

Em 1964, o Presidente Lyndon B. Johnson assinou a Lei dos Direitos Civis, que legalmente encerrou a segregação institucionalizada pelas medidas de Jim Crow e, no ano seguinte, a Lei dos Direitos de Voto interrompeu os esforços para impedir que as minorias votassem.

Como já citado, o Fair Housing Act, de 1968, acabou com a discriminação no aluguel e venda de casas aos afro-americanos, e foi uma das últimas grandes restrições legais a ser derrubada.


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