Reinado de Charles I foi marcado por disputas e embates com o parlamento
Marcus Lopes Publicado em 14/05/2023, às 10h00 - Atualizado em 25/05/2023, às 15h57
Nascido em Fife, na Escócia, em 19 de novembro de 1600, o segundo filho do rei Jaime VI da Escócia e da rainha consorte Ana da Dinamarca, foi o primeiro Charles, uma criança muito doente, a ponto de temporariamente ser deixado com parte da família no país escocês quando o seu pai se tornou rei da Inglaterra, em março de 1603, acrescentando ao seu nome o título de Jaime I da Inglaterra.
O motivo de ter ficado para trás é que o menino poderia não aguentar os riscos da viagem até Londres. O primeiro grande baque do pequeno herdeiro veio com a morte do irmão mais velho, Henry, em 1612, de quem ele gostava muito, até porque foi quem cuidou dele nos frágeis primeiros anos de vida. Por outro lado, a morte prematura de Henry abriu caminho na linha sucessória a Charles, que assumiu o trono do Reino Unido no ano 1625.
Logo depois, casou-se com Henrietta Maria, irmã do rei francês Luis XIII. Ao contrário do que sugerem os imponentes retratos pintados por artistas como o pintor flamengo Antoon van Dyck (1599-1641), Charles I tinha pequena estatura, era tímido, silencioso, observador e carregou durante toda avida o sotaque original escocês e uma leve gagueira. Descrito pela Enciclopédia Britannica como amante das artes, dos bons modos e dos cavalos de raça, promoveu certo refinamento na corte inglesa.
Por outro lado, herdou do pai uma crença obstinada de que os reis foram criados por Deus para governar e não são obrigados a dar satisfações a ninguém, incluindo o parlamento, a igreja e a justiça, contribuindo para uma personalidade severamente absolutista.
Desde a assinatura da Carta Magna, em 1215, se estabeleceu o respeito à divisão de poderes entre o rei e o parlamento, de modo a estabelecer os limites à atuação de cada parte. Toda vez que houve ruptura nesse acordo e princípio de governar ocorreram divisões que levaram a conflitos internos e à prisão, destituição e morte do próprio rei, como ocorreu com Charles I”, explica Silva.
Convicto da crença de que ao rei bastava o poder divino para governar, o reinado de Carlos I foi marcado por disputas e embates com o parlamento. O primeiro deles foi antes mesmo de assumir o trono, em 1623, ao forçar o pai, Jaime I, a entrarem uma guerra contra a Espanha pelo fato de não ter conseguido concluir um tratado de casamento com a filha do rei espanhol Filipe III.
Houve novo tratado de casamento, desta vez com a corte francesa, que resultou na união com Henrietta, com quem teve cinco filhos. O fato de Henrietta ser católica romana contribuiu para a impopularidade do marido e resistência na Igreja Anglicana, religião predominante entre os ingleses após a reforma protestante na Inglaterra promovida por Henrique VIII, em 1534. Charles I, apesar da formação e liderança anglicana, quis enquadrar todo o Reino Unido com uma liturgia com muitos rituais e considerada mais pendente ao catolicismo romano.
“A aproximação de Charles I da Igreja Católica, para reforçar o seu poder, foi mais um dos ingredientes que culminaram na sua destituição e motivo de conflitos internos por questões religiosas”, conta o autor de ‘God Save the Queen – O Imaginário da realeza britânica na mídia’. A situação mais grave ocorreu na Escócia, em 1637, onde a tentativa de impor à população uma nova liturgia e um novo livro de orações que não atendia aos costumes religiosos locais resultou em uma guerra com os escoceses.
O reinado de Charles I foi marcado por conflitos internos e divisões entre as nações que compõem o Reino Unido – Inglaterra, Escócia e Irlanda. O próprio rei, de forte inclinação autoritária, impôs uma série de atos, sem participação do parlamento, promovendo aumento de impostos para financiar campanhas militares, cujos resultados foram desastrosos para a vida da população”, afirma o especialista.
As campanhas militares contra a Espanha e a Escócia comprometiam seriamente as finanças públicas, o que provocava muitos embates com a Câmara dos Comuns (parte do parlamento inglês composto por deputados ligados a classes mais inferiores, como a burguesia e representantes dos condados e cidades).
A solução foi a dissolução do parlamento em diversas ocasiões e o rei, sempre afeito ao absolutismo, governou sozinho durante vários anos, o que aumentava ainda mais a sua impopularidade. Além de brigas com a nobreza por questões como o confisco de terras, o monarca também não contava com apoio forte na Igreja Anglicana, provocava divisões no Exército por conta de suas brigas coma Câmara dos Comuns e era extremamente impopular junto aos súditos por causa da sua frenética política de aumento de impostos para o financiamento de campanhas militares.
A falta de habilidade política e administrativa de Carlos I e os diversos conflitos políticos, religiosos e militares promovidos por seu grupo resultaram na Guerra Civil Inglesa, que começou em 1642 e continuou nos anos seguintes. A guerra foi marcada pelos confrontos militares entre tropas leais à realeza e forças parlamentares de oposição, em vários territórios do Reino Unido.
Durante uma grande batalha em Edgehill, no condado de Warwickshire, o monarca se dirigiu às tropas com as seguintes palavras: “Seu rei é sua causa, sua briga e seu capitão. O melhor encorajamento que posso dar é que, venha a vida ou a morte, seu rei lhe fará companhia e sempre manterá este campo”.
O primeiro dos Charles era um homem corajoso, mas não era um militar e ficou profundamente abalado com as mortes presenciadas em campo de batalha. Mesmo assim, levou a guerra adiante com tropas leais e alianças táticas com líderes políticos e militares fiéis na Inglaterra e na Escócia, o que permitia estender o conflito e evitar a derrota. Durante a guerra, sua esposa chegou a vender algumas joias da Coroa para a compra de armas e munições na Holanda.
A guerra civil só começou a ser definida com a ascensão do estadista inglês e líder parlamentar rebelde Oliver Cromwell que, no comando de bem equipadas e numerosas tropas contrárias ao rei, passou a impor uma série de derrotas ao monarca absolutista. Derrotado, Charles I foi preso e levado a julgamento no dia 20 de janeiro de 1649, acusado de alta traição e de “outros crimes graves contra o reino inglês”.
Os radicais estavam convencidos de que só haveria paz na Inglaterra com a morte do rei. Mesmo preso e enfraquecido, o monarca derrotado se recusou a pleitear sua inocência e questionou a legitimidade do tribunal superior que o julgou porque, em suas palavras, “um rei não pode ser julgado por nenhuma jurisdição superior na Terra”. A sentença de morte contra o absolutista foi lida em 27 de janeiro e sua execução foi ordenada como tirano, traidor, assassino e inimigo público.
A decapitação do primeiro dos Charles ocorreu na manhã de terça-feira, 30 de janeiro de 1649, em um cadafalso montado do lado de fora do salão de banquetes do Palácio de Whitehall, a principal residência dos monarcas ingleses na época. O condenado seguiu corajosamente para a morte, afirmando que era “um mártir do povo”.
Carlos I não foi um bom governante, pois era autoritário, absolutista e não percebeu que já havia um processo de ascensão de uma burguesia e uma nobreza que queriam participar do governo por meio do parlamento”, explica o historiador Francisco José Pereira das Neves Vieira, doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e especialista em realeza britânica.
“Foi um sujeito insensível que acreditava ser rei por direito absoluto, a ponto de não reconhecer o tribunal que o julgou, pois dizia que ninguém poderia julgar um rei, apenas Deus”, completa.
O historiador destaca ainda a influência da religião no poder das monarquias absolutistas por meio da doutrina em que a definição do rei acontece por uma escolha de Deus. “A própria cerimônia da coroação é uma cerimônia religiosa, em que o rei é ungido e recebe as insígnias da igreja”, explica Neves Vieira.
A morte de Charles I e os traumas provocados na nação durante o seu reinado inauguraram um breve período republicano conhecido por Commonwealth. Liderado por Cromwell, o regime foi instaurado primeiramente na Inglaterra e posteriormente na Escócia e na Irlanda.
Embora tenha vigorado por pouco mais de uma década e longe de poder ser considerada uma república nos moldes em que conhecemos hoje em dia, trata-se do período em que a monarquia foi completamente afastada do poder e o Reino Unido foi governado pelo Parlamento e o Exército, ambos sob o controle ditatorial do parlamentar rebelde.
“Oliver Cromwell era o representante de uma burguesia e uma nobreza que não queriam mais um rei absolutista. Trata-se da vitória do parlamento e a experiência republicana na Inglaterra e na Escócia”, afirma o especialista em monarquia britânica.
O viés ditatorial e autoritário desse período republicano, acrescido à morte de Cromwell, em 1658, levou à extinção do Commonwealth, em 1660, e o retorno da monarquia parlamentar que até hoje prevalece no Reino Unido.
Essa reportagem foi extraída da matéria de capa da Aventuras na História, que resgata a saga dos reis Charles I e Charles II. Confira aqui a segunda parte da reportagem.
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