Em diferentes campos de concentração, Kraus enfrentou a fome, doenças e trabalhos forçados
Vanessa Centamori Publicado em 02/04/2020, às 16h00
Em 12 de julho de 1929, nascia em Praga, atual capital da República Checa, Dita Kraus, uma menina que passou a infância sem saber da sua própria origem judaica. Sua família era socialista e de classe média e ela nunca se sentiu diferente das outras crianças — até que completou 10 anos de idade e surgiu o advento do holocausto, cancelando todos os seus sonhos e planos.
“Eu descobri a palavra judeu, pela primeira vez, quando estava no terceiro grau”, conta Kraus, em seu livro A Delayed Life: The True Story of the Librarian of Auschwitz, lançado este ano, em fevereiro de 2020. Hoje, Dita Kraus está com 90 anos de idade, mas ainda tem lembranças amargas da sua infância e adolescência, sugadas pelo Terceiro Reich.
A guerra começa
Quando tinha 10 anos de idade, o exército alemão nazista ocupou a até então Tchecoslováquia. Várias restrições absurdas começaram a atingir a comunidade judaica e o pai de Kraus foi demitido do seu emprego.
Até que, em 1942, a família de Kraus foi deportada para o gueto Theresienstadt, para onde 150 mil judeus foram realocados em condições deploráveis. Grande parte deles eram transportados depois para campos de concentração. E foi exatamente isso que ocorreu com a menina judia.
Em dezembro de 1943, quando ela completou 14 anos de idade, sua família foi levada até Auschwitz-Birkenau. Lá, foram forçados a ficar na seção BIIb, onde havia 32 barracas, nas quais homens e mulheres dormiam separadamente.
Resistência em Auschwitz
Dita Kraus escreveu em sua autobiografia de 2020 que sua mãe e ela decidiram morrer, assim que chegaram em Auschwitz, pois elas chegaram em um ponto de total desespero. Porém, a morte não chegou naquele momento para elas, somente para o pai da menina, que não resistiu e faleceu logo na chegada do campo de concentração.
Dita Kraus então foi para o Bloco das Crianças, que era comandado por Fredy Hirsch, líder do movimento juvenil sionista. Hirsch convenceu os soldados da SS que no Bloco das Crianças houvesse uma parte dedicada onde elas ficariam durante o dia. Conseguiu então criar de modo clandestino uma parte educativa dentro do barracão.
A Bibliotecária
Dita Kraus conseguiu administrar uma biblioteca dentro do espaço, com livros que eram trazidos por ela mesma, que os escondia dentro da saia dela. As obras eram coletadas nas bagagens de judeus mortos recém-chegados em Auschwitz.
A coleção de livros que se formou era bem diminuta, composta apenas por no máximo 12 volumes, amassados e sem lombada. As preciosidades literárias eram guardadas sob o maior sigilo debaixo de tábuas soltas no chão.
Lá estavam títulos como Uma Breve História do Mundo, de H.G. Wells e As Aventuras do Bravo Soldado Svejk, de Jaroslav Hasek.“As obras não eram de entretenimento”, recordou Kraus, em seu livro. “No entanto, eram cuidadosamente passadas de mãos em mãos e apreciadas, sempre voltando em bom estado”.
Além dos livros físicos, alguns adultos também faziam o papel de livros vivos, contando seus conhecimentos e histórias. O papo era trocado longe da visão dos soldados da SS, que no máximo pensavam que as crianças estavam aprendendo alemão ou jogando algum jogo.
O tempo em Auschwitz era precioso. “Estávamos famintos e cientes de que nossas vidas terminariam em alguns meses nas câmaras de gás”, contou Kraus, ao site The Media Online.
Um encontro com Mengele
Em março de 1944, os nazistas começaram a encaminhar pessoas do campo familiar para as câmaras de gás. Kraus quase foi para uma delas, mas os alemães decidiram enviar alguns dos sobreviventes para trabalhos forçados.
A moça encontrou o temido médico Mengele, que decidiu seu destino. “Fui escolhida por Mengele junto a outras 1,5 mil mulheres para ser enviada à Alemanha para trabalhar. Foi assim que sobrevivi”, contou Kraus.
A libertação
Em junho de 1944, Dita Kraus foi encaminhada para um campo de concentração alemão em Hamburg. Em abril do ano seguinte, ela e a mãe foram para Bergen Belsen, onde quase morreram de desnutrição. A garota teve tifo, mas se recuperou. A mãe, por outro lado, morreu em 29 de junho de 1945.
"Os presos enfraquecidos não tinham forças para caminhar até a latrina e a se aliviavam onde quer que estivessem. Eles também morriam lá mesmo", descreveu Kraus, na sua autobiografia.
Mas o sofrimento finalmente teve fim quando o exército dos aliados resgatou os prisioneiros em 15 de abril de 1945. Kraus, aos 16 anos de idade, no mês de julho daquele mesmo ano, voltou à Praga. Descobriu então que somente sua avó e a esposa do primo do pai dela estavam vivas. Conheceu depois Ota a B. Kraus (1921 - 2000), também um sobrevivente de Auschwitz, com quem se casou em 1947.
+AH - Andor Stern, o único sobrevivente brasileiro do Holocausto
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